Acordo de não persecução penal – Lei n° 13.964/2019

15 de janeiro de 2020

 1)Introdução

A lei prevê o acordo de não persecução penal (ANPP) para os crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa cuja pena mínima seja inferior a 4 anos e desde que haja confissão formal e circunstanciada (art. 28-A). Repete, no essencial, o art. 18 da Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), alterada pela Resolução n° 183, de 24 de janeiro de 2018, daquele Conselho.

A incidência prática do instituto é amplíssima, visto que a quase totalidade dos crimes não violentos comina pena mínima inferior a 4 anos, tais como: furto simples e qualificado, corrupção passiva e ativa, peculato etc. A pena máxima cominada é irrelevante.

Embora a lei não tenha revogado o art. 89 da Lei n° 9.099/95, a suspensão condicional do processo foi sensivelmente esvaziada, uma vez que o acordo de não persecução é muito mais amplo por já compreender as hipóteses que comportariam a suspensão condicional, isto é, crimes punidos com pena mínima igual ou inferior a um ano. De todo modo, como os institutos exigem requisitos distintos (v.g., a suspensão condicional não requer confissão formal e circunstanciada, nem o oferecimento de denúncia), a suspensão condicional ainda terá alguma aplicação.

Quando cabível a transação penal, o acordo não é aplicável (art. 28-A, §2, I). A transação penal está prevista para as infrações de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes punidos com pena máxima não superior a 2 anos), de competência dos juizados especiais criminais.

Embora vedado no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, o acordo é possível na Justiça Militar e Eleitoral.

A prescrição não corre enquanto o acordo não for cumprido ou rescindido (CP, art. 116, III). Trata-se de nova causa suspensiva ou impeditiva da prescrição.

Como não há proibição legal, temos que é possível o acordo de não persecução nos casos de ação penal privada1.

O ANPP é também aplicável às investigações relativas a ações penais originárias, de competência dos tribunais (art. 1°, §3°, da Lei n° 8.038/90).

O novo instituto incidirá sobre investigações em andamento ou concluídas e mesmo sobre processos criminais já instaurados (CPP, art. 2°), devendo o MP se manifestar sobre seu cabimento.

2)Cabimento

O ANPP exige os seguintes requisitos (art. 28-A): a)que não seja caso de arquivamento da investigação; b)crime praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa; c)crime punido com pena mínima inferior a 4 anos; d)confissão formal e circunstanciada (a lei fala, em verdade, de circunstancial); e)necessidade e suficiência do acordo para a reprovação e prevenção do crime.

Inicialmente, não cabe o acordo se, por qualquer motivo, for caso de arquivamento da investigação (inquérito policial etc.). Faltar-lhe-á justa causa quando couber o arquivamento. Faltando justa causa para a denúncia, faltará justa causa para o acordo. Afinal, o ANPP é uma alternativa à denúncia, não uma alternativa ao arquivamento. O juiz deve, pois, rejeitá-lo quando for manifesto o abuso do poder de acusar ou carecer de amparo legal (art. 28-A, §§4°, 5° e 7°). Também aqui se presume a inocência, não a culpa, apesar da confissão formal do delito.

O acordo não será possível, por exemplo, se o fato não constituir crime ou incidir excludentes de tipicidade, de ilicitude ou de culpabilidade (erro de tipo ou de proibição inevitável, coação física ou moral irresistível etc.). Tampouco se a punibilidade estiver extinta em razão de prescrição, decadência etc. Ou não houver elementos de prova suficientes para o oferecimento de denúncia ou a prova obtida for ilícita etc. Nem se admitirá o acordo quando for manifesta a insignificância jurídico-penal da conduta.

Quanto ao investigado inimputável ou semi-imputável, o acordo é perfeitamente possível2, devendo as condições serem fixadas segundo a espécie e o grau de inimputabilidade (art. 28-A, V). Também aqui se exige, e com maior razão, dada a maior vulnerabilidade do investigado, que se trate de fato típico punível.

Não há aqui incompatibilidade com a voluntariedade que se exige no acordo, seja porque o advogado é indispensável à sua formalização e, pois, representará os interesses do contratante, imputável ou inimputável, seja porque a inimputabilidade não priva o agente inteiramente da capacidade de deliberar sobre seus próprios interesses. Cabe dizer, aliás, ao modo de Nietzsche, que não existem fenômenos psiquiátricos, mas uma interpretação psiquiátrica dos fenômenos. Daí porque o inimputável, se tratado adequadamente, poderá levar uma vida relativamente normal.

Seja como for, a instauração do incidente de sanidade mental de que trata o art. 149 do CPP é indispensável.

Somente os crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, não à coisa, são excluídos pela lei. Assim, por exemplo, o roubo, o estupro e o homicídio doloso. Já os delitos cometidos com violência à coisa (v.g., furto qualificado com rompimento de obstáculo ou destruição da coisa) são passíveis do acordo. Temos também que os crimes culposos admitem-no, visto que a violência não é intencional (v.g., lesões corporais culposas). Idem, aqueles em que a ameaça ou a violência constituem o próprio delito (v.g., crime de ameaça).

Não há vedação para crimes hediondos ou afins desde que praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, diversamente do que dispunha a Resolução 181/2017 do CNMP, alterada pela Resolução n° 183, de 24 de janeiro de 2018, daquele Conselho.

O tráfico de drogas na forma simples (art. 33 da Lei 11.343/2006) é incompatível com o instituto, por cominar pena mínima de 5 anos de reclusão; mas é cabível, em tese, no caso de tráfico privilegiado (art. 33, §4°). Além disso, diversos crimes da lei cominam pena inferior a 4 anos; logo, admitem-no, a exemplo dos previstos nos arts. 34 a 35 e 37 a 39 da lei antitóxico. Idem, o porte de droga para consumo (art. 28).

Exige-se que se trate, ainda, de delito cuja pena mínima seja inferior a 4 anos. Logo, se a pena for igual ou superior a 4 anos não cabe o acordo. Melhor seria se a lei dissesse: pena igual ou inferior a 4 anos, à semelhança da suspensão condicional do processo, que fala de pena igual ou inferior a 1 ano.

Para a apuração da pena mínima cominada, considerar-se-ão as causas de aumento e de diminuição de pena. Quando se tratar de percentual variável de aumento de pena (v.g., 1/3 a 2/3), acrescentar-se-á o mínimo previsto (no caso, 1/3), diminuindo-se o máximo legal quando for causa de redução de pena (v.g., redução de 2/3, não de 1/3, no caso de crime tentado), prevalecendo sempre a pena mínima possível para saber-se se a pena mínima prevista é inferior a 4 anos. Incide aqui a Súmula 723 do STF, analogicamente: Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.

Havendo concurso material de crimes (CP, art. 69), somam-se as penas mínimas previstas. E no concurso formal e na continuidade delitiva (CP, arts. 70 e 71), acrescentar-se-á o aumento mínimo previsto em lei sobre a pena mínima cominada. Se da soma resultar pena mínima inferior a 4 anos, o acordo é possível.

Incide aqui a Súmula 243 do STJ, por analogia: O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.

Se oferecida a denúncia, o juiz ou tribunal proceder à desclassificação para crime que admita o acordo, deverá abrir vistas ao MP para que se manifeste a respeito. A Súmula 337 do STJ é aplicável analogicamente: É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva.

Somente o investigado que confessar o crime, formal e circunstanciadamente, fará jus ao benefício.

A confissão é a admissão, no todo ou em parte, da imputação penal.

Diz-se simples quando o réu confessa o delito sem mais; e qualificada quando a confissão vem acompanhada de alegação de excludentes de tipicidade, de ilicitude ou de culpabilidade. Assim, por exemplo, se o investigado afirma que praticou furto em estado de necessidade ou que não houve um fato típico, mas um ato legal e consentido.

Para efeito do acordo, não necessariamente para outros fins (v.g., reconhecimento da atenuante da confissão espontânea), temos que somente a confissão simples permite a realização do ANPP. Ou seja, confissão formal e circunstanciada (a lei fala, em verdade, de confissão circunstancial) deve ser entendida como confissão simples. Confissão formal e circunstanciada é, portanto, uma confissão simples e voluntária em que o investigado menciona o essencial da infração cometida, narrando a motivação e as circunstâncias juridicamente relevantes. A lei exige que seja circunstanciada inclusive para a aferição judicial de sua consistência e verossimilhança.

Obviamente, não vale como tal o silêncio do investigado, seja porque a lei exige confissão formal, seja porque, se preferir se calar, o investigado não estará confessando delito algum, mas se valendo do direito à não autoincriminação (nemo tenetur se detegere).

Tampouco a confissão qualificada equivale à confissão formal. É que a confissão qualificada corresponde, em última análise, a uma alegação de inocência, que, se fundada e verossímil, é incompatível com o acordo de não persecução, visto que: a)o acordo pressupõe que não seja caso de arquivamento do inquérito (art. 28-A); b)se o investigado alega excludentes de ilicitude ou de outra natureza não está confessado crime algum, muito menos formalmente. Afinal, quem, por exemplo, subtrai coisa alheia móvel em estado de necessidade (furto famélico) atua conforme o direito; logo, não comete crime; c)não vale qualquer confissão, mas uma confissão consistente e verossímil, sob pena de se firmar acordos com possíveis inocentes. Como é óbvio, o acordo só pode ser firmado com alguém que se declara culpado, não com alguém que se diz inocente.

Quando a confissão for parcial (v.g., confessa um delito e nega outro), o acordo poderá ser feito relativamente àquele crime objeto da confissão.

É aplicável ao caso, por analogia, o art. 307 do Código de Processo Penal Militar, segundo o qual, para que tenha valor de prova, a confissão deve: a) ser feita perante autoridade competente; b) ser livre, espontânea e expressa; c) versar sobre o fato principal; d) ser verossímil; e) ter compatibilidade e concordância com as demais provas do processo.

A Súmula 630 do STJ é aplicável, mutatis mutandis, também aqui: A incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio.

Por fim, o atendimento dos requisitos supra não necessariamente implicará proposta de acordo, já que a lei exige, ainda, que ele “seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. Haverá situações excepcionais especialmente graves que poderão justificar, fundamentadamente, a não proposição do ANPP.

3)Obrigações do investigado

A lei prevê diversas obrigações para a celebração do acordo. O rol não é taxativo, mas exemplificativo, já que o MP poderá propor outras não previstas expressamente em lei, desde que proporcionais e compatíveis com a infração penal (art. 28-A, V). Tais condições podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, conforme o princípio da proporcionalidade/individualização do acordo.

A primeira obrigação é a reparação do dano ou a restituição da coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo, podendo ser total ou parcial. Nem sempre a reparação ou a restituição é possível, visto que o autor pode não dispor de recursos financeiros para tanto ou a coisa pode ter sido destruída, perdida ou transferida a outrem. Apesar disso, o acordo poderá ser firmado, mesmo porque a reparação/restituição não é uma obrigação essencial, mas acidental, que pode ou não figurar entre os deveres do contratante.

A reparação/restituição poderá feita pelo autor do crime ou por terceiro em seu favor (pais, parentes etc.) ou por quem retenha a coisa objeto do crime, de boa ou má-fé.

A segunda condição é a renúncia voluntária de bens e direitos indicados pelo MP, como instrumentos, produtos ou proveito do crime (v.g., bens móveis ou imóveis adquiridos com o crime). A renúncia cumpre aqui o papel do confisco legal que recairia sobre os bens em caso de condenação.

A lei prevê ainda as seguintes condições: a)prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); b) pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito.

São hipóteses que já figuram como penas restritivas de direito (CP, art. 43), agora aplicadas mediante acordo, e de forma atenuada, a revelar, inclusive, quão defasados estão os arts. 43 e 44 do CP, cujos casos de substituição por penas alternativas poderiam ser consideravelmente ampliados. As medidas cautelares diversas previstas no art. 319 do CPP, por exemplo, poderiam figurar como penas restritivas de direito. Já é tempo de se transformar a prisão em pena alternativa.

4)Vedações legais

O acordo está vedado para os seguintes casos (§2º): a)se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei; b)se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; c)ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; d)nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

Quando cabível a transação penal, não será possível o ANPP. Se cabíveis o acordo e a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95), ficará a critério do MP propor o que for mais adequado, segundo as circunstâncias do caso, podendo o investigado manifestar preferência por um ou outro benefício, conforme seus interesses. Nos casos controversos, prevalecerá o benefício mais favorável ao investigado. De todo modo, mesmo no caso de descumprimento do ANPP, é possível a suspensão condicional.

A lei proíbe o acordo para o investigado reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas.

Temos que, embora não o diga, a reincidência a que se refere a lei é a reincidência em crime doloso, não a reincidência em delitos culposos, que não impedirá o ANPP. Idem, se o novo crime for doloso e o anterior for culposo ou o contrário. Tampouco a reincidência em contravenção obstará o acordo. Em suma, somente a reincidência em crime doloso grave impedirá a proposição do benefício. O conceito de reincidência é dado pelos arts. 63 e 64 do CP.

Incide aqui, ainda, analogicamente, o disposto no art. 44, §3º, do CP: Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

A reincidência não é, pois, uma vedação legal absoluta, mas relativa.

O que dissemos sobre a reincidência vale, mutatis mutandis, para a conduta criminal habitual, reiterada ou profissional. Além disso, haverá hipóteses em que, apesar da habitualidade etc., o acordo será cabível, seja porque as condutas anteriores são insignificantes, como previsto na própria lei, seja porque o acordo de não persecução é socialmente recomendável.

A lei proíbe, ainda, o ANPP para o agente que foi beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo. A proibição é de todo incompreensível, sobretudo para quem cumpriu rigorosamente o acordo antes firmado (transação penal etc.). Quanto àquele que descumpriu o acordo, a lei já prevê sanção para tanto, razão pela qual, também aqui, carece de fundamento o impedimento legal.

Por fim, o acordo está vedado para os crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. A previsão legal é de pouca importância, porque na maioria dos casos tratar-se-á de crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, que, só por isso, já não permitiria o ANPP.

5)Procedimento, momento de sua proposição, rescisão, concurso de agentes etc.

O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor, cuja homologação será realizada em audiência na qual o juiz deverá verificar a sua legalidade e voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor. O acordo não é incompatível com a prisão em flagrante etc.

A lei não diz em que momento será proposto o acordo. Temos que sua proposição poderá ser feita a qualquer tempo desde que o MP disponha de elementos de prova para tanto. Poderá fazê-lo, inclusive, na audiência de custódia, tal como previsto no art. 18, §7°, da Resolução n°181/2017, com a redação dada pela Resolução n°183/2018, daquele Conselho. Apesar disso, temos que é um tanto temerária a sua proposição já na audiência de custódia. O mais prudente é aguardar a conclusão das investigações. No caso de inquérito policial, o indiciamento não é necessário para tanto.

À semelhança do que se passa na colaboração premiada, temos que as partes podem se retratar até a homologação judicial ao acordo, podendo, inclusive, proceder à revisão das cláusulas contratuais.

Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo, determinará a revisão do acordo. Ou indeferirá desde logo a homologação quando não for o caso de ANPP, seja porque lhe falta justa causa (fato atípico, insuficiência de prova, prescrição etc.), seja porque o crime não o admite, em virtude da pena cominada etc.

O juiz recusará homologação à proposta também quando não for realizada a adequação a que se refere o 28-A, §5º. Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia. Da decisão que recusar a homologação, cabe recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, XXV).

De acordo com Vladimir Aras, o art. 28-A, §8º, da Lei (Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia), é inconstitucional3:

Se o juiz se valer da faculdade prevista no §8º do art. 28-A do CPP e recusar a homologação do ANPP, deve ele devolver os autos ao Ministério Público para que adote uma de duas posturas: promover novas investigações, se necessário; ou propor a ação penal.

Este artigo é flagrantemente inconstitucional, uma vez que o juiz não pode preor­denar a atuação do Ministério Público para a propositura da ação penal. Admitir a eficácia do §8º do art. 28-A do CPP seria dizer que o juiz pode ordenar ao Ministério Público que denuncie. No entanto, o art. 129, I, da Constituição atribui essa decisão (de acusar ou de não acusar) apenas ao Parquet.

Assim, o §8º do art. 28-A do CPP deve ser lido em conformidade com o texto constitucional e com o sistema do CPP, orientado pelo princípio acusatório (art. 129, I, CF, e art. 3º-A)233. Desta maneira, cabe ao juiz rejeitar a homologação e devolver os autos ao Ministério Público para que proceda como entender de direito.

Homologado o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal. A homologação judicial do acordo suspende o prazo prescricional.

A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento.

Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para efeito de rescisão e posterior oferecimento de denúncia. Como a validade do acordo exige decisão judicial, temos que a sua rescisão não pode dar-se unilateralmente, exigindo-se, também aqui, decisão judicial que assegure o contraditório. Com a rescisão, a prescrição volta a correr.

O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo. Está claro que o descumprimento do acordo não impedirá, necessariamente, a proposta de suspensão condicional.

A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no art. 28-A, §2º, III.

Cumprido o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.

No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 do Código.

Quando houver concurso de agentes (CP, art. 29), o acordo poderá ser firmado com todos os coautores e partícipes do crime ou somente com alguns deles. O ANPP poderá, portanto, tramitar simultaneamente com a ação penal.

1No mesmo sentido, Vladimir Aras. A lei anticrime comentada. São Paulo: JH Mizuno, 2020. Em sentido contrário, Rômulo de Andrade Moreira: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-acordo-de-nao-persecucao-penal, 2020.

2Em sentido contrário, Vladimir Aras. A lei anticrime comentada. São Paulo: JH Mizuno, 2020.

3Vladimir Aras. A lei anticrime comentada. São Paulo: JH Mizuno, 2020.

 

 

 

 

 

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3 Comentários

  1. Concordo com a aplicação do acordo na Justiça Militar, mas há grande resistência. É preciso aprofundar o tema por conta do argumento da especialização da legislação aplicável. Recente decisão do STM entendeu inaplicável o acordo em função disso.

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