Verdade e mentira no processo penal

16 de julho de 2019

1)Introdução

A verdade é essencial ao processo (civil e penal), já que o autor deve provar a veracidade de sua pretensão a fim de obter uma decisão favorável; no processo civil a não comprovação dos fatos implica a improcedência do pedido; no processo criminal, a absolvição do réu, inclusive quando houver dúvida razoável sobre a veracidade da imputação (in dubio pro reo). As partes e seus procuradores têm, ainda, o dever de agir lealmente no processo, devendo expor os fatos em juízo conforme a verdade (CPC, art. 77, I).

Provar a verdade de uma imputação jurídico-penal pode significar, inclusive, comprovar a falsidade de algo, a exemplo do que se passa nos crimes de falsificação documental e de moeda (CP, art. 289), de falso testemunho (CP, art. 342) e de denunciação caluniosa (CP, art. 339), nos quais cumpre comprovar a falsidade de um documento ou cédula, de um testemunho ou de uma notitia criminis.

No processo não vale, porém, qualquer tipo de verdade, mas somente a verdade produzida segundo o devido processo legal. Porque tão importante quanto a prova da verdade é a legitimidade dos meios de prova da verdade. Assim, por exemplo, por mais verdadeira, é imprestável uma confissão de crime obtida mediante tortura.

Além disso, no direito vale a máxima quod non est in actis non est in mundo (o que não existe nos autos não existe no mundo), razão pela qual apenas a prova introduzida nos autos – licitamente introduzida – tem valor legal.

A verdade é, por conseguinte, uma condição necessária, mas não suficiente, de legitimação da decisão (veredicto) judicial.

2)O que é a verdade?

Mas o que é a verdade?

De acordo com a célebre definição de Aristóteles: “Dizer que o que é não é, ou que o que não é é, é falso; mas dizer que o que é é, e que o que não é não é, é verdadeiro”.1 Uma fórmula semelhante foi dada por Alfred Tarski, para quem “uma sentença verdadeira é uma sentença que diz que o estado de coisas é tal e tal, e o estado de coisas é, de fato, tal e tal”2.

Como se percebe, trata-se, em ambos os casos, de uma tautologia3 (redundância), cujo enunciado é sempre verdadeiro (v.g., “o sal é salgado”), que, em processo penal, equivale a dizer que é crime o que é crime, legal o que é legal, verdadeiro o que é verdadeiro, falso o que é falso etc.

Apesar de seu caráter tautológico, ou justamente por isso, a formulação aristotélica é correta, já que ninguém dirá o contrário, isto é, que a verdade é dizer daquilo que é que não é, e daquilo que não é que é. Um cão é um cão e um gato é um gato, não um pato ou um macaco.

Embora exata, a definição de Aristóteles é abstratíssima e não indica os critérios para a verificação da verdade, falsidade ou verossimilhança de uma proposição.

Mais: o problema da verdade só se coloca quando há divergência ou dúvida sobre uma determinada afirmação; se, por exemplo, aponto um “cão” e alguém me contesta dizendo tratar-se de um “lobo”, ou se afirmo que um certo quadro é falso e me é dito que é verdadeiro, ou que, se falso, foi adquirido de boa-fé. E uma vez instalada a dúvida sobre a veracidade de uma afirmação, a teoria nada pode oferecer para dissipá-la.

Em suma, a teoria da correspondência, como possivelmente todas as teorias da verdade, não diz ou pode dizer o que torna uma sentença verdadeira e outra falsa. Daí a crítica de Donald Davidson4:

A teoria da correspondência seria de alguma ajuda se fôssemos capazes de dizer, de um modo instrutivo, que fato ou segmento de realidade é o que torna a sentença verdadeira. Ninguém teve êxito nisso. Se perguntarmos, por exemplo, o que torna “A lua está a um quarto de milhão de milhas distante” verdadeira, a única resposta que imaginamos é o fato de que a lua está a um quarto de um milhão de milhas distante…

Não há nenhuma entidade interessante e apropriada disponível, cuja existência se relacione a sentenças, que possa explicar porque algumas sentenças são verdadeiras e outras não. Há boas razões, então, para ser cético em relação à importância da verdade como correspondência.

Mas não só. A verdade não é objetiva, isto é, não é uma qualidade das coisas ou uma simples relação entre as coisas, mas uma relação entre o sujeito/sujeitos e as coisas. E o sentido das coisas não é dado pelas próprias coisas, mas por nós, ao atribuirmos um determinado sentido num universo de possibilidades, aí considerada a falta de sentido, inclusive. Ou seja, nós introduzimos nossos valores nas coisas por meio da interpretação5 – e a verdade é um valor, logo, é relativa, e, como tal, (diversamente) interpretável. A verdade, como as cores, admite mil variações.

Como assinala Günter Abel, não é mais a interpretação que depende da verdade, mas justamente o contrário, que é a verdade que depende da interpretação, pois nos processos de interpretação não se trata, primariamente, de descobrir uma verdade preexistente e pronta, uma vez que não é possível pensar que haja um mundo pré-fabricado e um sentido prévio que simplesmente estejam à nossa disposição aguardando por sua representação e espelhamento em nossa consciência.6

Assim, por meio do processo penal não se constata uma verdade preexistente ou se realiza uma reprodução icônica dos fatos, mas uma construção a partir do material disponível, isto é, a partir dos meios de prova admitidos, produzidos e valorados (dialeticamente) em juízo, segundo as múltiplas versões – não raro, contraditórias, parciais etc. – dadas pelos sujeitos que participam do processo: autores, vítimas, testemunhas, peritos, advogados, promotores e juízes etc. Logo, a verdade judicial não é uma revelação de uma verdade preexistente, mas uma interpretação, mais ou menos exata, do evento.

Maria Clara Calheiros está certa quando afirma que o processo judicial é uma construção retórica e dialética em que o verossímil se mostra superior ao verdadeiro, pois o processo judicial não contém fatos, mas apenas narrativas de fatos, de muitas origens e com múltiplas intenções, de que a sentença judicial ficará inevitavelmente contaminada, sendo que ela própria não deixa de ser em si mesma narração7 .

Com alguma frequência, aliás, essa construção da verdade no processo se assemelha a um quebra-cabeças no qual faltam peças essenciais, mas que ainda assim é preciso montar.

Como não existem, portanto, fenômenos verídicos, mas uma interpretação veridicizante dos fenômenos8, segue-se que mais importante do que saber o que é a verdade é verificar como ela é produzida no processo, por quem o é, e com que fins. O essencial são, pois, as condições de produção da verdade. Afinal, não existe verdade à margem da história ou à margem das relações de poder.

Como escreveu Nietzsche, a verdade não é algo que existisse e que se houvesse de encontrar, de descobrir – mas algo que se há de criar e que dá o nome a um processo, mais ainda: uma vontade de dominação que não tem nenhum fim em si: estabelecer a verdade como um processus in infinitum, um determinar ativo, não um tornar-se consciente de algo que fosse “em si” firme e determinado. Trata-se de uma palavra para a “vontade de poder”.9

Justo por isso, não amamos a verdade e odiamos a mentira; amamos, isto sim, as verdades, as mentiras ou ficções que nos protegem, nos salvam, nos edificam ou nos divertem; e odiamos as verdades, as mentiras ou ficções que nos enfraquecem, nos ameaçam ou nos matam. Com exceção dos mártires, dos heróis e dos fanáticos, ninguém ama a verdade que conduz à ruína, à desonra, à prisão ou à forca.

Daí dizer Nietzsche que a falsidade de um juízo não constitui uma objeção contra esse juízo. A questão é saber em que medida esse juízo (falso ou verdadeiro) promove ou conserva a vida10. Casos há, inclusive, em que dizer a verdade pode ser não só inconveniente, como ilegal e mesmo criminoso, podendo configurar, por exemplo, crime contra a honra ou violação de segredo profissional (CP, art. 15411).

Por fim, e como adverte Gianni Vattimo, a verdade como algo absoluto, como correspondência objetiva, entendida como última instância e valor de base, é um perigo, muito mais que um valor. Leva à república dos filósofos, dos especialistas, dos técnicos e, no limite, ao Estado ético, que pretende poder decidir qual seja o verdadeiro bem dos cidadãos, mesmo contra a opinião e as preferências deles. Lá onde a política busca a verdade não pode existir democracia12.

Todo valor, inclusive o valor da verdade, resulta de um arranjo, mais ou menos eficaz, do discurso. Só há valor e/ou verdade, para e pela linguagem, na medida em que esta exprime, não uma racionalidade objetiva e absoluta, mas a defesa de certo ponto de vista ou de certo interesse13.

Também por isso, não faz sentido falar-se de uma verdade real ou material (no processo penal) em oposição a uma verdade formal (no processo civil). É certo que a verdade comporta graus, mesmo no processo penal, ora se exigindo mais, ora menos (v.g., exige-se mais para condenar e menos para absolver), mas a verdade judicial (civil e penal) é sempre relativa ou perspectiva, nunca real ou absoluta. A circunstância de em geral o processo civil se contentar com menos, ao admitir, por exemplo, certas presunções legais que o processo penal repele, em razão do princípio da presunção de inocência, não confere, só por isso, à verdade processual penal status de superioridade ou absolutidade, comparativamente com outras verdades possíveis, aí incluída aquela produzida no processo civil, trabalhista etc. O correto é, pois, não abolir a verdade ou substituí-la por outro termo (certeza etc.), mas usá-la sem adjetivos e não lhe pedir mais do que pode dar.

3)Da mentira

Por eso los hombres no huyen tanto de ser engañados como de ser perjudicados mediante el engaño; en este estadio tampoco detestan en rigor el embuste, sino las consecuencias perniciosas, hostiles, de ciertas clases de embustes. El hombre nada más que desea a la verdade en um sentido análogamente limitado: ansía las consecuencias agradables de la verdad, aquellas que mantienen la vida; es indiferente al conocimiento puro y sin consecuencias e incluso hostil frente a las verdades susceptibles de efectos perjudiciales o destructivos. Nietzsche. Sobre verdade y mentira. Madrid: Tecnos, 2008, p.21.

De acordo com Kant, jamais deveríamos mentir, porque a verdade é um dever moral categórico (incondicional) que nos dignificaria enquanto pessoas humanas. Para Kant, o que de fato importava era a verdade, não suas consequências (boas ou más). Justo por isso, o dever de declarar a verdade não comportaria exceção alguma e deveríamos inclusive revelá-la mesmo ao assassino que perseguisse a vítima que ocultávamos e assim protegíamos.

Kant escreveu: “Cada homem, porém, tem não somente o direito, mas até mesmo o estrito dever de enunciar a verdade nas proposições que não pode evitar, mesmo que prejudique a ele ou a outros. Ele mesmo por conseguinte não faz com isso propriamente nenhum dano a quem é lesado, mas é o acaso que causa este dano. Porque neste caso o indivíduo não é absolutamente livre para escolher, porquanto a veracidade (desde que seja obrigado a falar) é um dever incondicionado”14.

Nem todos pensavam assim. Schopenhauer15, por exemplo, defendia o direito de mentir em autodefesa (p.ex., contra criminosos): “Todavia, tem de ser rigorosamente mantida a limitação proposta ao caso de autodefesa, pois, fora disso, esta doutrina daria lugar a abusos abomináveis, porque, em si, a mentira é um instrumento perigoso (…). Excetuado o caso de autodefesa contra a força ou a astúcia, toda mentira é uma injustiça e por isso a justiça exige veracidade diante de todos. Mas, contra a reprovação incondicional da mentira sem exceções, que está na essência da própria coisa, fala o fato de que há casos em que mentir é até mesmo um dever, sobretudo para os médicos…”16.

A razão está com Schopenhauer. De fato, a verdade nem sempre é um bem, nem a mentira um mal. Mais: se, como dizia Spinoza, não desejamos algo por ser bom, mas o contrário, é por desejarmos uma coisa que a julgamos boa17, o valor da verdade (e da mentira) dependerá de como a interpretamos num dado contexto. Normalmente é bom e necessário dizer a verdade; mas há também verdades más, inconvenientes, ilegais e mesmo criminosas. E assim como existem verdades que matam, mentiras há que salvam.

Da perspectiva ateísta, a religião seria justamente isso: mitologia com outro nome; uma boa mentira, portanto. A Torá, a Bíblia e o Corão não seriam, pois, outra coisa senão uma compilação de fábulas que confortariam o crente e eventualmente o salvariam. Obra humana, portanto, como todo livro. O mesmo se poderia dizer da literatura, do cinema etc18.

Por que mentimos? Mentimos pelas mesmas razões que dizemos a verdade: porque nos é necessária ou apenas conveniente. E mentimos por mil razões: mentimos porque temos medo; mentimos porque nos sentimos impotentes ou incapazes de dizer a verdade; mentimos para não contrariar alguém que apreciamos; mentimos para evitar pessoas desagradáveis ou situações embaraçosas; mentimos para proteger um amigo ou prejudicar um inimigo; mentimos para evitar a reprovação alheia; mentimos para obter a verdade e também para ocultá-la; e, mais frequentemente, mentimos para nós mesmos.

E todos mentem. Mentem os políticos por mais poder19; mentem os pais para proteger os filhos; mentem os casais para preservar o casamento; mentem os criminosos para consumar seus crimes; mentem os policiais para prender os criminosos; mentem os advogados para defender seus clientes; mentem os médicos para atenuar o sofrimento dos pacientes; mentem os comerciantes para vender seus produtos; mentem os generais para vencer a guerra; mentem os jornalistas para vender notícias; mentem os que fazem promessas e juramentos etc.

Daí dizer Pascal que “a vida humana não passa de uma ilusão perpétua; não se faz mais do se entrenganar e se entreadular. Ninguém fala de nós em nossa presença como fala em nossa ausência. A união que existe entre os homens não é baseada senão nessa mútua enganação; e poucas amizades subsistiriam se cada um soubesse o que o amigo diz dele quando não está presente, embora fale então sinceramente e sem paixão. O homem não é portanto senão disfarce, mentira e hipocrisia, tanto em si mesmo como para com os outros. Não quer que lhe digam a verdade. Evita dizê-la aos outros; e todas essas disposições, tão afastadas da justiça e da razão, têm uma raiz natural em seu coração”20.

E por vezes a própria lei protege, e até estimula, a mentira. Que são os espiões e os agentes infiltrados senão mentirosos legais, que mentem em nome da lei e do Estado?

Casos há também em que a lei não só protege ou tolera a mentira, como condena a verdade. Com efeito, em nome da ampla defesa e do princípio da não autoincriminação, o investigado ou acusado pode não só calar a verdade (ficar em silêncio), como dar a versão que lhe parece mais favorável, não raro falsa (no todo ou em parte). Ademais, uma confissão de crime obtida por meios ilícitos (tortura etc.), por mais verdadeira, não tem valor legal algum.

Certas pessoas são, inclusive, proibidas de testemunhar, isto é, não podem declarar a verdade, conforme dispõe o art. 207 do Código de Processo Penal: “São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”.

Se, por exemplo, um padre, violando o segredo da confissão, revelar a autoria de um crime, prestará um depoimento inválido, embora verdadeiro; e, mais, responderá pelo crime do art. 154 do Código Penal (violação do segredo profissional)21.

Normalmente a mentira é penalmente irrelevante. Mas há formas de mentir que podem constituir crime (falsificação documental, estelionato, calúnia etc.) ou apenas agravar seu cometimento (homicídio qualificado pela traição, emboscada etc.) e outras há que podem atenuá-lo ou justificá-lo, como nos casos de legítima defesa ou estado de necessidade (p.ex., a vítima finge-se de morta ou ferida para golpear seu agressor).

É possível também falar-se de participação (cumplicidade) em delito por parte de quem presta (dolosamente) informações valiosas (verdadeiras) a criminosos e assim os auxilia na identificação e localização de suas potenciais vítimas.

Por fim, a mentira é um meio absolutamente legítimo contra condutas ilícitas ou criminosas. O professor que mente sobre a etnia ou credo dos alunos para protegê-los da ação de um grupo terrorista, além de cumprir seu dever legal de proteção, faz um grande bem. A verdade é boa sob certas circunstâncias, não sempre.

Em resumo, é possível mentir para o bem e para o mal, com boas ou más razões, de modo legal ou ilegal, de forma vergonhosa ou heroica.

A verdade e a mentira não são, pois, em si mesmas louváveis ou condenáveis; tudo depende do porquê e de como mentimos.

1

Metafísica, livro IV. São Paulo: Edipro, 2012, p.125.

2A concepção semântica de verdade. São Paulo: editora Unesp, 2007, p.22.

3De acordo com Wittgenstein (aforismo 4.461): “A proposição mostra o que diz; a tautologia e a contradição, que não dizem nada. A tautologia não tem condições de verdade, pois é verdadeira incondicionalmente; e a contradição, sob nenhuma condição. Tautologia e contradição não têm sentido.” Tractatus logico-philosopihicus. São Paulo: Editora da USP, 2008, p.197.

4Ensaios sobre a verdade. São Paulo: Unimarco, 2002, p.132.

5Nietzsche. Vontade de poder. São Paulo: Contraponto, 2008.

6Verdade e interpretação, in Nietzsche na Alemanha, org. Scarlett Merton, discurso editorial, S. Paulo, 2005, p. 179-199.

7A construção retórica do processo penal, in Que futuro para o direito processual penal? Coimbra: Coimbra editora, 2009.

8. Nietzsche. Além do bem e do mal, aforismo 108: Não existem fenômenos morais, mas uma interpretação moral dos fenômenos.

9Vontade de poder. São Paulo: Contraponto, 2008, p.288.

10Além do bem e do mal. São Paulo: Lafonte, 2017, 1, 4, p.18.

11Violação do segredo profissional

Art. 154 – Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.

12Adeus à verdade. São Paulo: Vozes, 2016, p.26. Também Nuccio Ordine observa que “nenhuma religião e nenhuma filosofia poderão jamais reivindicar a posse de uma verdade absoluta, válida para todos os seres humanos. Crer que se possui uma só e única verdade significa sentir-se no dever de a impor, também à força, para o bem da humanidade. O dogmatismo produz intolerância em todos os campos do saber: no plano ético, religioso, político, filosófico e científico. Considerar a própria verdade como a única possível significa negar toda a busca da verdade” (…). Desse modo, quem está certo de possuir a verdade não a precisa procurar, não sente a necessidade de dialogar, de escutar o outro, de se confrontar de modo autêntico com a pluralidade e com o múltiplo. Somente quem ama a verdade a procura continuamente. E é por isso que a dúvida não é inimiga da verdade, mas permanente estímulo para a sua busca. Somente quem acredita na verdade sabe que o único modo de a manter sempre viva é exatamente colocá-la continuamente em dúvida. Não pode haver espaço para tolerância sem a negação de uma verdade absoluta”. A utilidade do inútil. São Paulo: Zahar, 2016, p.173.

13 André Comte-Sponville. Valor e verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 38.

14Textos seletos. Petrópolis: Editora Vozes, 2018, p.76.

15Sobre o fundamento da moral. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.157.

16Ainda de acordo com Schopenhauer: “Todas as vezes que tenho direito de constrangimento, um direito absoluto de usar as minhas forças contra o outro, posso igualmente, segundo as circunstâncias, opor a astúcia à violência do outro; não cometerei injustiça com isso: por consequência, possuo um direito de mentir, na mesma medida em que possuo um direito de constrangimento. Assim, um indivíduo é detido por ladrões de estrada; eles revistam-no; ele assegura-lhes que não tem consigo mais nada do que aquilo que eles encontraram: ele está no seu pleno direito. Do mesmo modo, também, se um ladrão se introduziu durante a noite em casa, se, com uma mentira, o fizeram entrar num porão e aí o fecharam. Um homem é capturado por salteadores, barbarescos, suponho. Ele vê-se levado para o cativeiro. Para readquirir a sua libertação, não pode recorrer à força aberta; ele usa da manha e mata-os: está no seu direito. – É por esse mesmo motivo que um juramento arrancado pela força pura e simples não obriga moralmente aquele que o faz. A vítima deste abuso da força podia, com pleno direito, livrar-se do seu agressor, matando-o, e principalmente podia livrar-se dele, enganando-o. Roubaram a vossa fortuna e não estais em estado de recobrá-la pela força; se o conseguirdes pela artimanha, não fareis mal. E mesmo se o meu ladrão joga contra a mim o dinheiro que me roubou, tenho o direito de me servir de dados falsos contra ele; o que lhe recupero é, apesar de tudo, apenas a minha fortuna; para negar tudo isso, seria preciso primeiro negar a legitimidade dos estratagemas da guerra, visto que, em suma, eles são outras tantas mentiras…”.

17Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 106. Textualmente: “Torna-se, assim, evidente, por tudo isso, que não é por julgarmos uma coisa boa que nos esforçamos por ela, que a queremos, que a apetecemos, que a desejamos, mas, ao contrário, é por nos esforçarmos por ela, por querê-la, por apetecê-la, por desejá-la, que a julgamos boa”.

18De acordo com Flávio Kothe (Arte comparada. Brasília: Editora UnB, 2016, p.646), “Mitologia, religião, ideologia política, arte – todas são produtos da faculdade de fingir como se fosse real o que ficção é e que, afetando atos, acaba sendo real. Mesmo a ciência exata, que se baseia na matemática e na generalização a partir de algumas observações e, se possível, experiências, também é produto da facultas fingendi. A matemática finge que é bem igual o que é apenas semelhante, faz de conta que conjuntos não iguais sejam idênticos entre si, ela finitiza o infinito para fins de cálculo, ela cria a ficção do zero para poder operar”.

19Maquiavel escreveu, a propósito, que: “Necessitando, portanto, um príncipe saber usar bem o animal, desse deve tomar como modelos a raposa e o leão, porque o leão não sabe se defender das armadilhas e a raposa não tem defesa contra os lobos. É preciso, portanto, ser raposa para conhecer as armadilhas e leão para aterrorizar os lobos. Aqueles que usam apenas os modos de leão, nada entendem dessa arte. Um senhor prudente, portanto, não pode nem deve manter sua palavra quando isso se torna prejudicial e quando desapareceram as causas que o levaram a empenhá-la”. O príncipe. São Paulo: La fonte, 2017, p.86.

20

Pascal, Blaise. Pensamentos. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.425.

21Violação do segredo profissional

Art. 154 – Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

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