Princípio da insignificância no crime de contrabando

25 de fevereiro de 2011

 

Como é sabido, o STF vem admitindo o princípio da insignificância no crime de contrabando ou descaminho sempre que o valor consolidado do tributo devido não exceder a R$ 10.000,00 (dez mil reais), com base com base na Lei nº 10.522/2002, art. 20, que previu o arquivamento das execuções fiscais de débitos de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

 

Parece-nos, porém, que o precedente não é aplicável, em princípio, ao contrabando. Com efeito, o crime previsto no art. 334, caput, do Código Penal (contrabando ou descaminho), pode ser praticado de duas formas distintas, a saber: a) importar ou exportar mercadoria proibida (contrabando); ou b) iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria (descaminho).

 

Efetivamente, a jurisprudência (não só do STF) tem admitido a aplicação do princípio da insignificância para a segunda hipótese (descaminho) sempre que o valor do tributo devido não exceder R$ 10.000,00, nos termos do art. 20 da Lei n.º 10.522/02.

 

O mesmo, porém, não vem ocorrendo quanto à primeira hipótese (contrabando), conforme se vê abaixo:

 

PENAL. CONTRABANDO DE GASOLINA. ART. 334 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. DESCABIMENTO DA INCIDÊNCIA DA LEI Nº 11.672/2008.

  1. A hipótese versada nos autos – importação de gasolina da Venezuela – não é de descaminho, mas de contrabando, não sendo aplicável, in casu, o princípio da insignificância.

2. Manutenção do acórdão, com retorno dos autos à Presidência do Tribunal, para exame da admissibilidade do recurso especial. (grifo nosso) (ACR 200742000020502, DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, TRF1 – QUARTA TURMA, 30/07/2010)

 

PENAL – CRIME DE CONTRABANDO – MERCADORIA PROIBIDA – ARTS. 177, III, E 238 DA CF/88, ART. 4º, III, DA LEI 9.478/97 E ART. 1º DA PORTARIA ANP 314/2001 – ART. 334, CAPUT E §§ 1º, C, E 2º, DO CÓDIGO PENAL – IMPORTAÇÃO DE GASOLINA ORIUNDA DA VENEZUELA, DESACOMPANHADA DE DOCUMENTAÇÃO FISCAL E DE PROVA DE SUBMISSÃO A REGULAR PROCEDIMENTO DE IMPORTAÇÃO, PARA FINS DE REVENDA, NO TERRITÓRIO NACIONAL – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE AO CRIME DE CONTRABANDO – DOSIMETRIA – PENA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL.

(…) II – A elementar “mercadoria proibida”, constante da primeira parte do art. 334 do Código Penal, caracteriza o delito de contrabando e abarca a gasolina automotiva, cuja importação é proibida – por constituir monopólio da União (arts. 177, III, e 238 da CF/88 e art. 4º, III, da Lei 9.478/97) -, salvo prévia e expressa autorização da ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, concedida somente aos produtores ou importadores, tal como definido na legislação aplicável e normas regulamentadoras (Portaria ANP 314/2001, art. 1º), ex vi do disposto nos arts. 177, III, e 238 da Constituição Federal, e na Lei nº 9.478/97, vedada, assim, toda e qualquer prática informal de tal natureza, por se tratar de “mercadoria proibida”.

(…) IV – O princípio da insignificância é inaplicável ao crime de contrabando, que não se restringe ao caráter pecuniário, privilegiando-se, quanto a tal delito, a natureza da mercadoria, em detrimento de seu valor econômico. Precedentes do STJ (HC 45.099/AC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima) e do TRF/1ª Região (ACR 2007.42.00.002546-0/RR, Rel. Desembargador Federal Cândido Ribeiro; RCCR 2004.35.00.020535-1/GO, Rel. Desembargador Federal Mário César Ribeiro; HC 2008.01.00.000054-5/AM, Rel. Desembargador Federal Hilton Queiroz).

V – Apelação provida. (grifo nosso) (ACR 200742000010296, DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES, TRF1 – TERCEIRA TURMA, 30/04/2010)

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO (ART. 334, § 3º, C/C ART. 29, AMBOS DO CP). CRIME CONSUMADO. TRANSPORTE AÉREO. PERDA DAS MERCADORIAS. CONSECTÁRIO LEGAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PENA BEM APLICADA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. NULIDADE DA SENTENÇA NÃO VERIFICADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÕES IMPROVIDAS.

(…) 4. Inaplicável o princípio da insignificância, vez que a objetividade jurídica do crime de contrabando não está calcada no interesse arrecadador do Fisco, mas no direito da Administração de controlar o ingresso e saída de produtos no território nacional, visando preservar questões correlatas à segurança, saúde, proteção de indústria nacional, dentre outras.

(…) (grifo nosso) (ACR 199736000042327, JUIZ FEDERAL NEY BARROS BELLO FILHO (CONV.), TRF1 – QUARTA TURMA, 03/08/2007)

 

PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO. GASOLINA. ART. 334, DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA. MAUS ANTECEDENTES NÃO CONFIGURADOS. REFORMA. PERDIMENTO DE AUTOMÓVEL. INSUBSISTÊNCIA DA SENTENÇA NESSA PARTE. APELAÇÃO CRIMINAL PARCIALMENTE PROVIDA.

  1. A importação da mercadoria apreendida – gasolina – em quantidade que vai a “Aproximadamente 370 litros do combustível gasolina” (cf. Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 16/17), subsume-se ao delito de contrabando, e não ao de descaminho. Precedente jurisprudencial da Terceira Turma deste Tribunal Regional Federal.

(…) 3. Tratando-se a hipótese em julgamento de crime de contrabando, não há que se cogitar na não restou configuração do dolo específico consistente no ânimo de iludir, no todo ou em parte, o pagamento do imposto devido, tendo em vista que tal requisito integra o delito de descaminho.

4. No que se refere à aplicabilidade do princípio da insignificância ao caso em comento, ressalte-se, conforme acima explicitado, que os fatos narrados no presente processo não se subsumem ao delito de descaminho, mas, sim, ao de contrabando de gasolina, razão pela qual não há que se falar, in casu, na incidência do acima mencionado princípio da insignificância. Precedentes jurisprudenciais da Quarta Turma deste Tribunal Regional Federal.

(…) 9. Apelação criminal parcialmente provida. (grifo nosso) (ACR 200642000019309, DESEMBARGADOR FEDERAL I’TALO FIORAVANTI SABO MENDES, TRF1 – QUARTA TURMA, 11/09/2009)

 

 

A distinção poderia parecer à primeira vista insustentável, visto que o art. 334, caput, do CP, tratou o contrabando e o descaminho num só e mesmo artigo, inclusive com o mesmo nomen juris: contrabando ou descaminho.

 

No entanto, a distinção levada a efeito pelos tribunais é, ao menos para esse efeito específico (incidência do princípio da insignificância), legítima.

 

Primeiro, porque, diversamente do descaminho, em que o tipo pressupõe a simples sonegação dolosa de tributo, no contrabando, ao contrário, a internação do produto em território nacional é taxativamente proibida, razão pela qual é impossível apurar o valor do tributo devido.

 

Segundo, porque, diversamente do descaminho, não há como o agente pagar o tributo devido e assim obter a liberação da mercadoria apreendida.

 

Não se está a afirmar, com isso, que o crime de contrabando não possa admitir eventualmente a adoção do princípio da insignificância; mas, sim, que o parâmetro que vem servindo de base para o descaminho (R$ 10.000,00) não é aplicável no particular, em virtude de se tratar de uma fundamentação jurídica específica do descaminho.

 

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10 Comentários

  1. E o que pensas o Professor sobre o critério que considera R$ 10.000,00 insignificantes para o crime de descaminho?
    Minha mente perturbada tem dificuldade para aceitar, apesar do que dispõe a Lei Federal 10.522….

  2. Cassiano: parece-me evidente que não se pode considerar insignificante uma quantia tão expressiva (10.000,00), tanto que não se renuncia à cobrança da dívida por via administrativa e permanecem outras formas de constrangimento do devedor (nome do cadin etc.). De todo modo, cabe invocar o princípio da proporcionalidade (subsidiariedade), visto que se não cabe a intervenção menos branda (civil), não faria sentido manter a mais grave (pena).

  3. Nobre Professor,

    Também gostei dos argumentos explicitados pela jurisprudência acima, ainda não tinha conhecimento de tais detalhes.

    Nesse sentido, o argumento pela distinção daquilo que a norma tutela num e noutro caso é, sem dúvida, o divisor dessas águas agitadas.

    Avante.

  4. Agora você imagina como fica um delegado de polícia que recebe de seus agentes, Polícia Militar ou PRE, um cidadão preso em flagrante delito porque trazia consigo alguns objetos notoriamente contrabandeados e que segundo seu análise inicial não ultrapassa o valor de R$ 200,00. Se não autuar está prevaricando, se autuar está sujeito as críticas do PJ e MP Federal. É muito complicado. Pior ainda, e quando se depara com furtos de shampoo, cachaça, moedas, etc…..

  5. Para o crime de contrabando não há de ser aplicado o princípio da insignificância. Afinal contrabando é sobre algo proibido de ser importado, logo, como cobrar imposto sobre o proibido?
    O ministro relator, Cezar Peluso, entendeu que “o valor hipotético do imposto devido sobre o total da mercadoria apreendida estaria acima daqueles isentos de impostos.” Afirmou, ainda, que o valor devido e a conduta praticada não configuram os requisitos do “principio da insignificância”. São eles: a mínima ofensividade da conduta do agente; a ausência de periculosidade social da ação; o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada.

  6. boa noite gostaria de saber o seguinte meu motorista ia passando pela fronteira com a minha carreta e dentro dela vinha cinco pneus michelin comprados na venezuela pelo qual os cinco pneus sao todos brasileiros. a fiscal fez o auto de apreensao e liberou a a minha carreta e o motorista ficando os cinco pneu na receita. gostaria de saber se posso pagar o imposto devido. desses pneus na venezuela sai mais ao menos 800.00 cada um

  7. Com relação a compra de pneus oriundos do exterior, vamos supor que você faça uma viagem ao exterior via terrestre e em chegando no local de destino viu que dois ou três pneus do seu veículo precise ser trocado, pergunto – ao retornar para a fronteira do Brasil , corro o risco de devolver esses pneus para receita brasileira para poder retornar a minha casa de origem. Sou Brasileiro e moro no Brasil.

  8. UMA EMPRESA DO SIMPLES, FOI EXCLUIDA DE OFICIO POR ENCONTRAR-SE NO ESTABELECIMENTO PEQUENA QUANTIDADE DE CIGARROS DO PARAGUAI, A RFB NAO ACEITOU O PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, ALEGANDOPREJUDICIAL A SAÚDE CF 220 §4, TEM OUTRO RECURSO?

  9. Com relação aos pneus, qual a diferença em sair do Estado de Goiás ir para Vitória-ES, passar em um buraco estourar 2 pneus, você vai voltar, onde você vai comprar os pneus…
    em Vitória ou no Goiás…. cada caso é resolvido de um jeito. Encontra-se em estado de necessidade alguém em situação de perigo atual. O estado de necessidade só pode ser alegado se a situação de perigo não foi provocada pelo próprio indivíduo ou por ele não podia ser prevista. Estado de necessidade é uma causa especial de exclusão de ilicitude, ou seja, uma causa que retira o caráter antijurídico de um fato tipificado como crime.
    No Brasil, está previsto no artigo 23-I do Código Penal e exemplificado no artigo 24 do referido código. ou seja, se você estourar 2 pneus em outro pais como vc vai fazer para voltar….

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