Princípio da insignificância e maus antecedentes

8 de abril de 2010

Discute-se se é possível a adoção do princípio da insignificância quando, não obstante a irrelevância jurídico-penal da ação, ficar demonstrado que o agente tem maus antecedentes, é reincidente ou há continuidade delitiva. O Supremo Tribunal Federal ora decide num sentido, ora noutro.

Parece-nos que, se o princípio da insignificância constitui, conforme reconhecem a doutrina e a própria jurisprudência, uma excludente de tipicidade, visto que, embora formalmente criminalizada, a conduta não traduz, em concreto, uma lesão digna de proteção penal, tal deve ser decretado independentemente da existência de maus antecedentes ou reincidência.

Com efeito, subtrair R$ 1.00 (um real), por exemplo, não deixa de ser insignificante pelo só fato de o agente já ter sido anteriormente condenado por furto ou já ter praticado idêntica conduta.

E mesmo a continuidade no cometimento de ações insignificantes não torna a ação significativa, inclusive porque o crime continuado é uma forma de concurso material tratado como concurso formal, e, como tal, pressupõe que cada ação (cada pequeno furto) seja autonomamente criminosa, a fim de que os atos subsequentes sejam havidos como continuação do primeiro.

Enfim, por traduzir um problema de tipicidade, e não de individualização judicial da pena, o princípio da insignificância deve ser reconhecido independentemente da existência de maus antecedentes, reincidência ou continuidade delitiva.

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17 Comentários

  1. PQ, concordo totalmente com a sua posição. Foi ótimo você frisar: é um problema de tipicidade. Muita gente tem essa dúvida, e, às vezes, por ser o direito penal o que a gente quer (como você diz), “resolve” dar “uma lição” nos “incorrigíveis”. Haja seletividade! Beijos, Andreia.

  2. Eu ouso discordar, porque, primeiro, os maus antecedentes/reincidência demonstram maior periculosidade do agente; segundo, trataríamos igualmente situações desiguais (primários e não primários) e terceiro, estaríamos estimulando a criminalidade.

  3. Concordo firmemente. O princípio da insignificância deve ser pensado independentemente dos maus antecedentes do agente.

    Aliás, tinha isso tão resolvido em mim que nem sabia que havia essa confusão. Fiquei preocupado agora com essa instabilidade nas decisões do Supremo (“supremo”… olhem só quanta pretensão…) Tribunal Federal.

    No Direito, e em maior proporção no Direito Penal a gente escuta cada coisa…

  4. O princípio da insignificância deve ser aplicado, sem qualquer dúvida, mesmo que o acusado possua péssimos antecedentes e/ou seja reincidente, ou até mesmo na hipótese do crime continuado. Entretanto, meu comentário restringe-se ao assunto: maus antecedentes e reincidência.
    Pois, bem imagino que se partirmos do pressuposto que em um Estado Democrático de Direito não há espaço para o direito penal do autor, mas apenas para o direito penal do fato, e, que assim, devemos analisar apenas a conduta ilícita do agente e não seu histórico social (bom ou ruim), chegaríamos a conclusão que conceitos como maus antecedentes e reincidência não encontram mais espaços entre nós.

  5. E o que diríamos de um indivíduo que todos os dias ou em dias alternados (sem configurar-se a continuidade delitiva) utiliza-se do furto de bagatela para sobreviver?
    Haveria nada mais do que um estímulo à impunidade e à reinciência.

  6. O artigo 24 do CP é taxativo ao mencionar “perigo atual” e não o desconforto. Uma pessoa que furta um supermercado em pequenos valores (valores suficientes para se aplicar o principio da insignificância e não os compatíveis com parágrafo 2° do art. 155 CP) todos os dias ou em dias alternados realmente se encontra em perigo atual? Pode até se afirmar haver descriminante putativa em uma primeira ocasião, contudo, o que dizer das supervenientes (no caso de um mesmo sujeito ativo)? É claro não ser razoável considerar fato típico o furto de bagatela baseado apenas nos maus antecedentes do sujeito ativo (e creio nem ser esse o ponto de divergência predominante acerca da questão), porém, como tratar penalmente sujeito que de maneira consciente e constante(periódica ou não) usa principio da insignificância em proveito próprio ou de outrem? Não vejo improvável a ocorrência de lesão corporal grave ou homicídio, por parte de donos de pequenos estabelecimentos comerciais (por exemplo) contra pessoas que possuem o “hábito” citado acima; motivados talvez pelo sentimento de impunidade. A meu ver um sistema eficiente de registro policial voltado para essa questão e um esforço maior ( não tão grande assim) por parte do legislativo, já seria um bom começo.Existe um conflito e não cabe ao Estado a omissão.

  7. Dizer não ser aplicável o princípio da insignificância (do fato!) caso o agente tenha maus antecedentes impõe considerar, por coerência lógica, que na situação de duas pessoas (em co-autoria) furtarem uma cédula de RS 10,00, sendo uma delas reincidente e a outra sem qualquer antecedente criminal, a primeira deverá ser condenada e a segunda absolvida. Quem pariu Mateus que o embale! Quem advoga a não aplicação do princípio da insignificância caso o autor do fato (insignificante) tenha maus antecedentes, resolva a descrita situação e justifique o tratamento desigual dispensado ao caso.

  8. Caro Rafael Capatti N. Coimbra, creio que você está confundindo furto de bagatela com furto famélico. O art. 24 do CP nada tem a ver com a questão analisada. Os conceitos não se confundem, em que pese muitas vezes incidirem concomitantemente no caso concreto. O furto de bagatela não é crime porque é conduta materialmente atípica, enquanto o furto famélico não é crime porque incide uma excludente de antijuridicidade, o estado de necessidade. É possível dar exemplo de furto famélico que não é insignificante, como o furto de remédio caro do qual o filho do agente dependa para viver. Outrossim, pode-se exemplificar furto de bagatela que não seja famélico, como o furto de um maço de cigarros.

  9. Meu caro,em tudoque escreveres mencine data, assim sesaberá se o texto é contemporãneo. Lápelo ano de2009 o SFT entendi que o proncípio da insignificãncia deveria ser aplicado mesmo em casode reincidente.Mas hjoje, março de 2012, o entendimentoé o contrário. E de nada adianta entendimento diferente, pois o que vale mesmo é o STF.

  10. Mas, na prática, quem efetivamente é preso ou processado por furto de um real? Esse exemplo acontece na vida real ou é apenas um caso tão ‘fictício’ e ‘fantasioso’ que talvez beire uma argumentação ‘retórica’ e ‘falaciosa’ para sustentar essa tese? Esse assunto é polêmico.

  11. Caro Luis, um real é só um exemplo, poderia ser 5, 10 etc. e isso em nada mudaria a argumentação. Não confuda o argumento com o exemplo, que é, aliás, desnecessário.

  12. O tema é simples de se resolver, desde que se saiba qual a finalidade do DTO Penal dentre os meios de controle social (ultima ratio).

    Recentemente atuei em dois processos de furto, ambos na modalidade tentada: um de um sanduiche e cinco barras de chocolate e o outro de cinco moedas de um real. Em ambos os casos os juízes afastaram tanto a insignificância, quanto a excludente do estado de necessidade e condenaram os acusados, por serem os dois reincidentes criminais.

    O pior é que o Tribunal Catarinense compartilha o entendimento do ilustríssimo juiz.

    E a dignidade da pessoa humana? A proporcionalidade? Direito de liberdade x 5 moedas de um real que foram devolvidas à vitima?

  13. Bem, pessoal, essa discussão é realmente acirrada, mas ouso tecer algumas considerações.

    1º) Em termos de técnica jurídica, realmente me parece mais adequada a aplicabilidade do postulado da bagatela independentemente de reincidência ou maus antecedentes, posto que estas circunstâncias atuam precipuamente na dosimetria da pena, enquanto a insignificância na tipicidade material, anterior, portanto.

    2º) Quanto ao argumento de que deixando de punir os reincidentes com base na insignificância, haveria quebra da isonomia, bem como o argumento da periculosidade do agente, para mim, são inaceitáveis. Primeiro pelo que já foi exposto acima: se dois agentes furtam 10 reais e apenas um tem aplicada a insignificância, por ser o outro reincidente, ai sim, haveria quebra na isonomia. Segundo, o fato de o agente ser reincidente, por si só, não me parece demonstrar a periculosidade social do agente.

    3º) Assim, o único argumento para justificar a punição do reincidente a despeito da insignificância seria o da política criminal: “isto incentiva a criminalidade”. Com todo o respeito, tal argumento não merece arrimo. Quem o defende tem um pensamento um tanto quanto ultrapassado. É um pensamento patrimonialista, que busca defender mais o patrimônio a custa de prisão, do que ver que o Estado sonega as mais básicas necessidades de milhares de pessoas para depois apontar o dedo ao “criminoso”. O estado é mais violento que os crimes praticados nas ruas diariamente. Vide a teoria do “Labbeling Approach” do Howard S. Becker, bem como os conceitos de criminalização primária e secundária.

    4º) Ainda quanto a periculosidade social do agente, tenho que seria necessária mais que a mera reincidência para justificá-la. Seria necessário, por exemplo, mostrar que o agente praticou por DIVERSAS vezes outros crimes, ou se não diversas vezes, que tais crimes foram violentos, ou contra pessoas vulneráveis como idosos ou pessoas com deficiência, etc…

    Assim, para mim, periculosidade, por óbvio, não se confunde com reincidência. Espero ter me feito entender.

    A propósito, ótimo texto, Paulo Queiroz.

    Obrigado por abrir a todos este espaço para a discussão civilizada de temas importantes.

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