Prescrição e coautoria

18 de março de 2019

Por Paulo Queiroz (professor da UnB, membro do MPF) e Carlos Eduardo Vieira (bacharel em direito pela UnB, assessor do MPF).

1)Introdução

A prescrição penal é a extinção do direito de punir estatal em virtude do decurso do prazo legal para o exercício da ação penal ou para promover a execução da sentença penal condenatória. No primeiro caso, haverá prescrição da pretensão punitiva ou prescrição da ação; no segundo, prescrição da pretensão executória ou prescrição da condenação.

É a causa mais importante de extinção da punibilidade, uma vez que é a mais frequente, podendo atingir tanto a pretensão punitiva quanto a pretensão executória. Não poderia ser diferente – a extraordinária frequência da prescrição –, haja vista que, diante do excesso de leis penais, aliado à tradicional lentidão do sistema penal, não poderia o Estado pretender ter o controle de coisa alguma, tudo a concorrer para o descrédito dos órgãos e agentes incumbidos da repressão penal. A prescrição constitui, assim, prova de que, contrariamente ao provérbio, a justiça tarda e falha.

Nesse sentido, analisar-se-ão a aplicação das causas interruptivas da prescrição previstas no art. 117 do CP. Neste breve estudo, será discutido, especificamente, o atual entendimento doutrinário e jurisprudencial relativo à extensão dos efeitos interruptivos de atos processuais aplicáveis à coautoria e à participação prevista no §1º do art. 117 do CP.

2)Incomunicabilidade das causas de interrupção da prescrição nos casos de coautoria

São causas que interrompem a prescrição da pretensão punitiva, segundo o art. 117 do CP: a) o recebimento da denúncia ou queixa; b) a pronúncia; c) a decisão confirmatória da pronúncia; d) a publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; e)o início ou continuação do cumprimento da pena; f) a reincidência.

A justificativa para essas hipóteses de renovação do prazo persecutório em prol do Estado é a de que o este não está inerte, ou seja, de que estaria se movimentando no sentido de exercer o seu poder-dever punitivo e não abdicou deste, motivo pelo qual lhe é justo dar continuidade ao seu pleito condenatório1.

Com efeito, o artigo 117, §1°, do CP dispõe que:

Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles.

De acordo com literalidade desse artigo, a decisão que interrompe a prescrição (decisão de recebimento da denúncia, sentença condenatória etc.) produziria efeitos em relação a todos os coautores e partícipes do crime, ainda que tenha havido rejeição da denúncia ou da queixa etc., relativamente a algum dos corréus.

A doutrina, em geral, não vê problema algum aí. Guilherme de Souza Nucci2, por exemplo, afirma o seguinte:

Comunicabilidade das causas interruptivas: quando houver o recebimento da denúncia ou da queixa, a pronúncia, a decisão confirmatória da pronúncia ou a sentença condenatória recorrível com relação a um dos coautores de um delito, a interrupção se comunica, alcançando a todos. Significa que o Estado manifestou a tempo o seu interesse em punir, mantendo a sua pretensão de punir os demais, bastando que os encontre a tempo. Entretanto, as causas dos incisos V e VI são pessoais, vale dizer, se vários corréus são condenados e um deles foge, é óbvio que a prescrição da pretensão executória só envolve a sua pessoa, e não a dos demais, que cumprem pena. O mesmo se dá com a reincidência: se todos estão foragidos, é possível que um deles se torne reincidente, mas não os demais.

Nesse mesmo sentido escreve Júlio Fabbrini Mirabete3:

12.4.9 Comunicabilidade das causa de interrupção

Dispõe o art. 117, §1º:  § 1º – Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles.

Corrigiu-se na reforma penal o lapso da lei anterior que não ressalvava a incomunicabilidade da prisão de um autor como causa de interrupção com relação aos demais.

Excetuadas as condições de cunho personalíssimo (reincidência e prisão), as causas interruptivas estendem-se a todos os autores do delito e o mesmo ocorre no caso de concurso de crimes, quando ocorre conexão, desde que sejam eles objetos do mesmo processo. Assim, por exemplo, a pronúncia de um réu estende o efeito da interrupção ao corréu no processo ainda que acusado de crime que, em regra, não é de competência do Júri, mesmo que aquele seja absolvido do homicídio. Estende-se também ao réu absolvido a interrupção do prazo prescricional provocada pela condenação do corréu.

Há também precedentes nesse sentido: 4

PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. REDUÇÃO PELA METADE DO PRAZO PRESCRICIONAL (CP, ART. 115). RÉU COM MENOS DE 70 ANOS NA DATA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INAPLICABILIDADE. CORRÉU CONDENADO EM 2º GRAU. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA COMO MARCO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO § 1º DO ART. 117, DO CÓDIGO PENAL. DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE MANTIDA. ERRO MATERIAL NA EMENTA DO RECURSO ESPECIAL. CORREÇÃO.

1. Assenta os últimos julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a redução pela metade do prazo prescricional, prevista no art. 115, do Código Penal alcança somente os condenados que na data da primeira decisão condenatória, seja sentença ou acórdão, já contavam 70 (setenta) anos de idade, o que não se verificou na hipótese.

2. À exceção das circunstâncias relativas ao início do cumprimento da pena e à configuração da reincidência do agente, as demais hipóteses previstas no art. 117, do CP configuram-se marcos interruptivos para “todos os autores do crime”, aí incluída a publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis, ainda que eventualmente absolutório para uns e sancionatório para outros.

3. Na espécie, o pronunciamento desta Turma não poderia olvidar a declaração da prescrição da pretensão punitiva estatal, ante o transcurso do lapso temporal, previsto no art. 109, inciso IV, do CP, distinguindo o agente dos demais corréus, pelo fato de ter sido condenado em 2º grau, à guisa de estabelecer o dia da publicação do acórdão recorrido, como marco interruptivo do prazo prescricional, sob pena de ferir o disposto no § 1º do art. 117, do Código Penal.

(Precedentes do STF e desta Corte).

4. Recurso de claro mister integrativo, consoante disciplina o art.

619 do Código de Processo Penal, os embargos declaratórios somente serão opostos quando houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão constantes no julgado, não servindo, pois, de via idônea à reapreciação da causa, já devidamente analisada e decidida em sede própria.

5. Constando-se erro material na ementa do recurso especial, porque em flagrante desacordo com o que esposado pelo entendimento adotado pela Turma, impõe-se a sua correção.

6. Não é possível em sede de embargos de declaração adaptar o entendimento do acórdão embargado em razão de posterior mudança jurisprudencial. Precedentes.

7. Embargos de declaração de Aldo de Almeida Júnior e do Ministério Público Federal rejeitados; embargos de declaração opostos por Altair Fortunato e Valderi Werle julgados prejudicados; embargos de declaração de Alaor Alvim Pereira acolhidos para conhecer do primeiro recurso integrativo, em razão da sua tempestividade, e, julgados esses, dar parcial provimento, suprimindo-se o item 2 da ementa do recurso especial, renumerando os que lhe seguiram, e os de Benedito Barbosa Neto parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes, para ratificar o regime inicial de cumprimento da pena imposta.

(EDcl nos EDcl no REsp 1115275/PR, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 11/12/2013)

O equívoco é manifesto.

Com efeito, o artigo em questão há de ser interpretado sistematicamente, não isoladamente, e, mais importante, conforme os princípios do devido processo legal, legalidade5, pessoalidade e individualização da pena, de modo que as decisões capazes de interromper (e suspender) os prazos prescricionais atinjam apenas os réus que forem penalizados pela causa interruptiva ou suspensiva de prescrição.

Imagine-se, por exemplo, que o MP ofereça denúncia contra A e B, sendo a denúncia recebida em relação a A, mas rejeitada quanto a B. Nesse caso, é evidente que somente em quanto a A houve efetiva interrupção do prazo prescricional (recebimento da denúncia), não em relação a B (rejeição da denúncia), sob pena de violação aos princípios penais. Tampouco a eventual condenação de A poderia interromper a prescrição em relação a B, se este, uma vez recebida a denúncia pelo tribunal em grau de recurso, fosse absolvido.

Fosse a denúncia oferecida contra um único réu e rejeitada, parece claro que não interromperia a prescrição; tampouco se, embora recebida, interrompendo-a, fosse o réu absolvido, é certo que a sentença absolutória não interromperia a prescrição. Por que com a coautoria e a participação seria diferente? O que vale para a autoria há de também valer para a coautoria, que é uma forma de autoria; e, com maior razão, para a participação, por ser uma intervenção secundária no crime do autor6.

Com maior razão, não haverá interrupção relativamente àqueles coautores e partícipes que nem sequer foram investigados ou denunciados. Idem, se, embora investigados, houve arquivamento da investigação

Em resumo: a causa interruptiva (ou suspensiva) da prescrição só atinge o réu efetivamente penalizado pela decisão. Do contrário, o despacho de rejeição da denúncia interromperia a prescrição, assim como a sentença absolutória produziria efeitos condenatórios, violando o artigo 117, I e IV, do CP7.

As causas interruptivas e suspensivas da prescrição só podem atingir, por conseguinte, os réus penalizados pela decisão interruptiva ou suspensiva, não terceiro, visto que a responsabilidade penal é sempre individual, nunca coletiva ou solidária. Também por isso, as circunstâncias de caráter pessoal, quer se refiram à teoria do delito (CP, art. 308), quer se refiram à teoria da pena, são incomunicáveis (reincidência, confissão etc.).

3)Prescrição: um instituto de natureza (também) material e suas consequências

Com efeito, nem sempre é fácil distinguir a natureza jurídica – se processual ou material – de diversas regras e institutos jurídicos, dada a imbrincada e necessária relação existente entre ambos. Conforme já destacamos em outro trabalho9, do ponto de vista legislativo, a separação parece ser objetiva, no sentido de que o direito penal é a parte do ordenamento jurídico que define os crimes e comina as penas, e o processual penal é aquele que estabelece a forma e os meios de promover a persecução penal (investigação, processamento, recursos etc.).

No entanto, do ponto de vista da aplicação das normas, essa diferença não é tão clara, como se observa com relação a diversos institutos, tais como: 1)a suspensão condicional da pena (CP, art. 107); 2)o livramento condicional (CP, art. 83); 3)os efeitos da condenação (CP, art. 91 e 92); 4)a reabilitação (CP, 93 a 95); 5)a extinção da punibilidade (CP, art. 107); 6)o perdão judicial (CP, art. 120) etc..

No que tange à prescrição da pretensão punitiva estatal, o entendimento majoritário na doutrina é de que se trata de um instituto de direito material10, não só por constar do Código Penal11, mas, principalmente, pelo fato de o seu reconhecimento constituir causa que impede, de forma definitiva, o julgamento do mérito do processo por meio da extinção definitiva da punibilidade, fazendo coisa julgada material. Em síntese, a prescrição, embora tenha evidentes repercussões no do processo penal, não é um instituto que pertença, pelo menos não de forma exclusiva, ao direito processual penal.

Também nesse sentido, cabe destacar que o Supremo Tribunal Federal reconhece que as normas que regulam os prazos prescricionais, bem como suas interrupções, têm caráter de direito material e, por isso, caso sejam desfavoráveis aos acusados, não poderão retroagir, conforme se observa do precedente a seguir, em que o tribunal estabeleceu que a Lei nº 12.234/2010, que restringiu as hipóteses de reconhecimento da prescrição retroativa, não poderia ser aplicada a delitos praticados antes de sua vigência:

EMENTA Habeas corpus. Penal. Decisão indeferitória de liminar pelo Superior Tribunal de Justiça. Incidência da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal. Superação. Possibilidade em caráter excepcional. Peculato-desvio praticado por servidora contra o INSS. Crime instantâneo de efeitos permanentes. Prescrição incidente a partir do recebimento indevido da primeira parcela do benefício irregularmente reativado. Decurso de prazo superior a 8 (oito) anos entre o fato e o recebimento da denúncia. Prescrição da pretensão punitiva retroativa pela pena concretamente dosada reconhecida. Incidência da norma revogada do § 2º do art. 110 do CP, com a redação anterior à Lei nº 12.234/10. Ordem concedida. 1. Possível, no caso em exame, a excepcional superação da Súmula 691 desta Suprema Corte, em vista de flagrante ilegalidade e de constrangimento patente. 2. Das peças constantes da impetração é possível aferir que, a partir de 10/2/95, a paciente, embora não tivesse a posse física dos recursos públicos, tinha a sua disponibilidade jurídica, “uma vez que a partir da reativação indevida do indigitado benefício foi possível a liberação dos valores que foram pagos indevidamente até 10/02/2001”. 3. Conforme estabelecia o § 2º do art. 110 do Código Penal, com a redação anterior à Lei nº 12.234/10, “a prescrição de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa – redação dada pela Lei nº 7.209/84)”, de molde que, in casu, deve ser considerado o lapso temporal decorrido entre o fato e o recebimento da denúncia, a fulminar a pretensão punitiva estatal. 4. A garantia da irretroatividade da lei penal mais gravosa impede a aplicação da nova redação dada ao art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal pela Lei nº 12.234/10, que assentou que “a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”. Na hipótese, o trânsito em julgado para a acusação (cf. dispunha o § 1º do art. 110 do CP, em sua redação primitiva e também na atual) deu-se sob a égide da lei revogada, mais benéfica à condenada. 5. Verifica-se que, entre a data do recebimento indevido da primeira prestação do benefício (art. 111, inciso I, do Código Penal) e a data do recebimento da denúncia (art. 117, inciso I, do Código Penal), transcorreu, in albis, período superior a oito anos, o que demonstra a ocorrência da prescrição retroativa da pretensão punitiva contra a paciente. 6. Ordem concedida.

(HC 108337, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 14/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-054 DIVULG 14-03-2012 PUBLIC 15-03-2012)

Assim, os efeitos da interrupção da prescrição não podem transcender à responsabilidade penal pessoal do acusado, uma vez que, como já dito, no direito material, no qual está inserido o instituto da prescrição, a regra é a incomunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal.

É importante notar, a propósito, que também as condições de caráter pessoal, como a idade (menor de 21 e o maior de 70 anos, nos termos do art. 115 do CP), não são comunicáveis, razão pela qual a redução do prazo de prescrição não se estende aos coautores ou partícipes do crime.

Além disso, no caso de concurso de crimes (formal, material e continuidade delitiva), o cálculo prescricional incide para cada delito isoladamente (CP, art. 11912), considerada a respectiva pena fixada pela sentença condenatória13.

Outro importante indicador do caráter incomunicável da prescrição é o fato de que a extinção da punibilidade com base na pena in concreto14 se dará, com relação a cada réu, pela pena que lhe foi imposta pela sentença condenatória. Assim, caso A e B cometam, em concurso de agentes, o delito de estelionato15 e, consideradas as circunstâncias judiciais relativas a cada um deles, seja A condenado a um ano e seis meses de reclusão e B, a dois anos e três meses de reclusão, por exemplo, o prazo prescricional a ser considerado com relação a A será de quatro anos16, enquanto B só será beneficiado pelo referido instituto após o dobro desse prazo, isto é, oito anos17.

Já no campo do direito processual, há uma maior flexibilidade e comunicabilidade das condições pessoais dos corréus como ocorre, por exemplo, com relação à competência para julgamento dos feitos, a qual admite que, eventualmente, determinado réu, sem foro por prerrogativa de função, seja julgado por juízo competente para processar e julgar o seu comparsa, conforme dispõe a Súmula 704 do STF: Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados18.

Contudo, conforme já ressaltado acima, como a prescrição guarda relação direta com a aplicação das penas, isto é, com o direito penal material, deve-se aplicá-la observando-se as regras inerentes a este campo, o qual não admite a transcendência das penas.

Em suma, mesmo que se considere que as normas prescricionais penais possuem conteúdo híbrido, isto é, que têm natureza jurídica de direito processual penal e de direito penal, e não exclusivamente substantivo, como a sua aplicação tem reflexos diretos na penalização dos acusados, estas não podem ultrapassar a pessoa deste, sob pena de violar-se o disposto no art. 5º, XLV, da Constituição Federal19.

4)Caráter pessoal da interrupção da prescrição também no âmbito do Direito Civil

Comparativamente, cabe referir que, também no âmbito do direito civil, a regra é que a interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos demais, assim como aquela operada contra um determinado devedor não prejudica os codevedores:

Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados.

§ 1o A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros.

§ 2o A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.

§ 3o A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.

Nesse sentido Pablo Stolze Gagliano20 escreve que:

Duas ideias orientaram o legislador: a primeira, no sentido de que, em se tratando de pluralidade de credores, a interrupção da prescrição feita por um deles não poderá favorecer os demais; por outro lado, se houve pluralidade de devedores, a interrupção não poderá prejudicar os demais coobrigados, para os quais continuará fluindo, normalmente, o lapso prescricional.

Entretanto, havendo solidariedade ativa – hipótese em que todos os credores têm o direito de exigir a dívida integralmente, com a consequente obrigação de repassar a quota-parte dos demais -, por existir um liame interno ligando os credores entre si, a interrupção promovida por um deles aproveita a todos.

Pelo mesmo fundamento, existindo solidariedade passiva – situação em que qualquer dos devedores pode ser demandado por toda a dívida – a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros. Observe-se, porém, que se a interrupção for promovida diretamente contra um dos herdeiros do devedor solidário, os seus efeitos não prejudicarão os outros herdeiros ou devedores, senão quando se tratar de obrigações e direitos indivisíveis.

Diante disso, conclui-se que, somente quando se tratar de obrigação cujo objeto seja indivisível ou quando os agentes integrantes de um dos polos da relação processual forem solidariamente responsáveis ou beneficiários do cumprimento da obrigação é que a interrupção da prescrição ocorrida relativamente a um dos coobrigados irá desfavorecer, ou favorecer no caso dos credores, aos demais21.

Por sua vez, o Código Tributário Brasileiro também refere que a interrupção da prescrição ocorrida quanto a um dos obrigados produzirá efeitos quanto aos demais quando estes forem solidariamente responsáveis pela obrigação tributária a eles imposta:

Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade:

I – o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais;

II – a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo;

III – a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais.

Como se vê, os outros ramos do direito citados acima (cível e tributário), que regulam a exigibilidade de obrigações patrimoniais, limitam as hipóteses em que a interrupção da prescrição não favorecerá aos demais réus àquelas em que esses são solidariamente responsáveis ou o encargo a eles atribuído seja indivisível.

Dito isso, é razoável presumir que, com ainda mais razão, visto que disciplinam a imposição de penas corporais, limitadoras de bem jurídico de maior valor (a liberdade do indivíduo), as regras penais também restrinjam a afetação de terceiros pela interrupção da prescrição a essas mesmas circunstâncias fático-jurídicas, ou seja, quando houver alguma espécie de unidade obrigacional.

Ocorre que, como se sabe, a responsabilidade penal é pessoal, não solidária, isto é, o indivíduo não pode adimplir certa obrigação (pena) em favor de terceiros, razão pela qual o cumprimento de pena por parte de um dos acusados não produz efeito algum com relação aos demais. Consequentemente, tal análise comparativa leva à conclusão lógica de que é impossível a comunicação dos efeitos interruptivos da prescrição em âmbito penal, dado que aqui não há coobrigação solidária.

5)Conclusão

Como se vê, em respeito ao princípio da intranscendência das penas, logo, do caráter pessoal das causas interruptivas, a expressão “relativamente a todos os autores do crime” a que se refere o artigo 117, §1°, do CP, deve ser lida como “relativamente a todos os réus atingidos pela decisão que interrompe a prescrição”, o que a tornaria supérflua, inclusive, se assim fosse redigida. Afinal, a decisão atinge, de fato, os denunciados, os pronunciados ou condenados no processo criminal, não necessariamente os autores do crime, que podem ou não figurar como denunciados, pronunciados ou condenados.

Em síntese, temos que o único marco temporal relativo à prescrição que será necessariamente comum a todos os réus será o do início, isto é, a data dos fatos, devendo todas as demais interrupções serem consideradas individualmente.

1Nesse sentido, Miguel Reale Júnior afirma que: “A inércia do Estado em fazer atuar o poder-dever de punir há de ser reconhecida a partir de momentos do processo. Se o fundamento da prescrição está no desinteresse do Estado a gerar o esquecimento do fato e a inocuidade da resposta penal, o movimentar o processo penal revela interesse e atenção para com a persecução. O crime não redunda esquecido, se o processo criminal tem seu andamento e o Estado está a agir para concretizar o poder-dever de punir.”

Dessa forma, como acentua, REALE FERRARI, justifica-se que o recebimento da denúncia, a decisão de pronúncia e a sentença condenatória interrompam a prescrição, pois são demonstrações de atuação estatal em busca da efetividade do poder-dever de punir o delito, que não restou esquecido, em resposta à ansiedade da sociedade por uma reafirmação do valor desrespeitado.” Instituições de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 524-525

2NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 678.

3MIRABETE. Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol. 1: parte geral. 32ª ed, rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2016. p. 406

4 EDcl nos EDcl no REsp 1115275/PR, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 11/12/2013.

5Nesse sentido, explica Ney Fayet Júnior que: “As causas interruptivas do curso prescricional estão estabelecidas em rol taxativo (Código Penal, artigo 117) e, não só em razão de o sistema se o enumerativo, mas especialmente por serem desfavoráveis ao réu, não admitem analogia in malam partem. A razão de ser dos fatores interruptivos pode ser localizada no interesse punitivo estatal, que visa a preservar a condição de possibilidade de ser estruturada uma determinada reprimenda. Isso porque, “se a ação criminosa prescreve, ou a pena, em vista da desnecessidade da repressão, pelo esquecimento em que o tempo vai envolvendo o crime, todos os atos praticados no sentido da punição do delinquente, e reveladores do interesse do Estado nessa punição, deve, logicamente, interromper a prescrição penal”. Dessa razão de existir das hipóteses interruptivas decorre que não será qualquer ato que poderá obstruir a prescrição, mas somente aqueles mais relevantes, que mostrem a reafirmação do propósito punitivo. Do contrário, tornar-se-ia, muitas vezes, inviável a ocorrência da prescrição. Em igual senda, não constituirão marcos interruptivos os atos praticados pelos ofendidos do crime, pelos órgãos da administração pública, e da jurisdição civil, em virtude de somente serem capazes de gerar a interrupção os atos dos órgãos estatais aos quais são confiados os poderes públicos de levar a efeito a pretensão punitiva, pois são esses que serão atingidos pela prescrição penal.” Ney Fayet Júnior e Karina Brack. Da interrupção da prescrição penal. in Prescrição Penal: temas atuais e controvertidos – doutrina e jurisprudência. Vol. 2. Ney Fayet Júnior (Coord.). Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. – p. 20-21.

6Paulo Queiroz. Direito penal. Parte Geral. Salvador: juspodivmeditora, 2018, 13ª edição.

7Causas interruptivas da prescrição

Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se:

I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa;

II – pela pronúncia;

III – pela decisão confirmatória da pronúncia;

IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis.

8Circunstâncias incomunicáveis

Art. 30 – Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

9QUEIROZ, Paulo. Direito processual penal: por um sistema integrado de direito, processo e execução. Salvador: Juspodivm, 2018.

10Ney Fayet Júnior explica que “2.3 Natureza jurídica – Muito se discutiu acerca da natureza jurídica das normas que informam o instituto da prescrição. Vozes havia que as concebiam como integrantes do direito processual; outras, do direito material; outras, ainda, as davam como normas mistas. “Nos dias que correm, tem predominância, na doutrina brasileira, a concepção material da natureza jurídica das normas prescricionais, embora não se possa perder de vista que ambas as disciplinas são inseparáveis, pois ambas guardam relação com o poder punitivo do Estado”. E a discussão tinha razão de ser a partir das diferentes consequências jurídicas que se produziam no âmbito processual ou material. Todavia, partindo-se do entendimento segundo o qual tanto as normas materiais quanto as normas processuais têm vocação retroativa quando favor rei, a discussão deixa de possuir maior significado. (…) Em todo caso, as normas que informas a prescrição têm, inegavelmente, um caráter material, até porque os preceitos legais da prescrição fazem ainda parte daquele conjunto de normas, porque invasivas e instrumentalmente constrictivas de direitos fundamentais, que deve pré-existir a prática da infracção.” Ney Fayet Júnior e Karina Brack. A prescrição penal e a ancianidade: o real alcance do fator de redução dos prazos prescricionais previstos no artigo 115, in fine, do Código Penal. in Prescrição Penal: temas atuais e controvertidos – doutrina e jurisprudência. Ney Fayet Júnior (Coord.). Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. – p. 44-45

11BITENCOURT, Paulo César. Tratado de Direito Penal: parte geral. 13ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 923

8

12 Art. 119 – No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.

13Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.

14 Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

15Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

       Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.

16Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

17  Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:    IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

18Também nesse sentido é o seguinte julgado ddo Supremo Tribunal Federal: Atração por continência ou conexão e decisão de manutenção ou desmembramento da ação penal: análise da conveniência e oportunidade 1. Cabe apenas ao próprio tribunal ao qual toca o foro por prerrogativa de função promover, sempre que possível, o desmembramento de inquérito e peças de investigação correspondentes, para manter sob sua jurisdição, em regra, apenas o que envolva autoridade com prerrogativa de foro, segundo as circunstâncias de cada caso (INQ 3.515 AgR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJe de 14.3.2014), ressalvadas as situações em que os fatos se revelem de tal forma imbricados que a cisão por si só implique prejuízo a seu esclarecimento (AP 853, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 22.5.2014), o que não ocorre no caso. Deferimento do desmembramento do processo quanto aos não detentores de foro por prerrogativa de função.
[Inq 4.104, rel. min.Teori Zavascki, 2ª T, j. 22-11-2016, DJE 259 de 6-12-2016.]

19CF: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

20GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Volume 1: parte geral, 19ª ed. São Paulo Saraiva, 2017. p. 562

21Iniciando-se pelas regras gerais, prevê o art. 264 do CC que há solidariedade, quando na mesma obrigaçaõ concorrer mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito ou obrigado à dívida toda. Dessa Forma, na obrigação solidária ativa, qualquer um dos credores pode exigir a obrigação por inteiro. Na obrigação solidária passiva, a dívida pode ser paga por qualquer um dos devedores. TARTUCE. Flávio. Manual de Direito Civl: volume único. 6ª ed. rev. Ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. p. 374-375.

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