Para uma futura (e radical) reforma do sistema judicial

1 de março de 2012

Juízes e tribunais são indispensáveis num Estado de Direito: os juízes para julgar e os tribunais para reexaminar as decisões dos juízes, uma vez que a impugnabilidade das decisões do poder público (judiciais e administrativas) é essencial à democracia, que não se compraz com manifestações de poder absolutamente imodificáveis. A recorribilidade das decisões e, pois, o duplo grau de jurisdição, é irrenunciável, portanto.

Mas o processo judicial não é um fim em si mesmo, e sim um meio a serviço de um fim: a justa e pronta solução do litígio, razão pela qual as ações não podem durar indefinidamente, devendo ser julgadas num prazo de tempo razoável (CF, art. 5°, LXXVIII).

Ocorre, porém, que, segundo o modelo judicial atualmente vigente, o princípio constitucional da razoável duração do processo não passa de uma afirmação retórica grandemente inútil. Porque, de fato, com ou sem razão, com ou sem amparo legal, as partes podem procrastinar indefinidamente o julgamento das ações (cíveis e criminais), frustrando a expectativa de quem litiga de boa fé, isto é, legitimamente. Contrariamente ao provérbio, a justiça tarda e falha.

É bem verdade que a legislação processual (civil e penal) tem sido seguidamente modificada nos últimos anos, objetivando alterar esse estado de coisas. Mas o certo é que, apesar das reformas, pouco mudou no particular. É que em geral as modificações levadas a efeito são meramente paliativas, as quais, a pretexto de transformarem a realidade, criam, em verdade, as condições para que tudo permaneça como sempre foi, criando uma falsa impressão de mudança e modernização. São reformas que, apesar de necessárias, são em sua essência conservadoras ou mesmo reacionárias. E problemas estruturais demandam intervenções também estruturais.

Na verdade, se quisermos modificar substancialmente esse estado de coisas, tornando o sistema judicial minimamente eficiente, menos burocrático, oneroso e inútil, cumprirá:

1)Extinguir os tribunais superiores (STJ, TSE, TST, STM), um luxo inútil e desnecessário, quer porque fracassaram quanto à missão (impossível) de uniformizar a jurisprudência, quer porque constituem uma espécie de terceiro grau de jurisdição, quer porque suas decisões são reformáveis pelo Supremo Tribunal Federal, quer porque oneram excessiva e inutilmente os cofres públicos; 2)transformar o Supremo Tribunal Federal (STF) em tribunal constitucional, para decidir matéria específica e restrita; 3)extinguir o tribunal do júri, seja porque há muito cessaram as razões histórias que o justificavam, seja porque o julgamento dos crimes contra a vida (homicídio, aborto etc.) pode ser perfeitamente realizado pelos juízes singulares, seja porque a decisão dos jurados padece do vício insanável de desfundamentação; 4)admitir, em princípio, dois únicos recursos: agravo e apelação, proibindo os tribunais de contemplarem, em seus regimentos, outros além do que dispuser o Código de Processo a respeito; 5)extinguir o foro por prerrogativa de função (foro privilegiado), por evidente incompatibilidade com o princípio da igualdade (isonomia); 6)tornar eficientes (e ampliar) os instrumentos legais que visem a constranger as partes (juízes e promotores de justiça, inclusive) a praticar os atos processuais em tempo razoável; 7)abolir a chamada jurisdição voluntária ou graciosa, porque a intervenção do juiz num caso concreto só faz sentido diante de um conflito grave e sério entre as partes; 8)vincular/submeter a polícia judiciária ao Ministério Público, quer porque a atuação da citada polícia está orientada (constitucionalmente) para subsidiar a intervenção ministerial, quer porque tal providência afastará, grandemente, a nefasta influência (controle informal) de prefeitos e governadores sobre a atividade policial; 9)fortalecer e reestruturar a atuação dos juízes de primeira instância; 10)proceder a uma reforma substancial do estatuto da magistratura para ajustá-la à realidade atual e abolir privilégios injustificáveis (v.g., aposentadoria como pena).

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12 Comentários

  1. Faltou apenas sugerir, também, o fortalecimento das Defensoria Públicas, principalmente da Defensoria Pública da União (a única, até o momento, sem autonomia e sem presença no interior do país), pois, sem acesso à justiça para todos, nada disso tem razão de ser.

  2. De fato, considerando que os feitos criminais apresentam em sua grande maioria réus pobres, em decorrência da chamada seletividade do sistema criminal, e que no âmbito cível há enorme demanda reprimida por parte das classes menos favorecidas, enquanto a defensoria pública não for fortalecida, equipada e estruturada com número suficiente de defensores, qualquer reforma judicial não passará de mera formalidade. A Defensoria Pública da União é o maior exemplo, uma continuação do sistema de advogados de ofício, vinculados ao Ministério da Justiça, sem autonomia suficiente para litigar contra seu maior adversário judicial, qual seja, o governo federal (lato sensu). No mais, Paulo Queiroz, concordo com todas as sugestões, excepcionando o item referente à extinção dos tribunais superiores: se assim ocorresse, haveríamos ilhas de aplicação da lei no âmbito de cada estado-membro ou região federal. Não é porque os tribunais superiores não tem conseguido conferir aplicação uniforme à legislação que devem ser extintos, antes devem ser aprimorados.

  3. De fato, considerando que os feitos criminais apresentam em sua grande maioria réus pobres, em decorrência da chamada seletividade do sistema criminal, e que no âmbito cível há enorme demanda reprimida por parte das classes menos favorecidas, enquanto a defensoria pública não for fortalecida, equipada e estruturada com número suficiente de defensores, qualquer reforma judicial não passará de mera formalidade. A Defensoria Pública da União é o maior exemplo, uma continuação do sistema de advogados de ofício, vinculados ao Ministério da Justiça, sem autonomia suficiente para litigar contra seu maior adversário judicial, qual seja, o governo federal (lato sensu). No mais, Paulo Queiroz, concordo com todas as sugestões, excepcionando o item referente à extinção dos tribunais superiores: se assim ocorresse, haveríamos ilhas de aplicação da lei no âmbito de cada estado-membro ou região federal. Não é porque os tribunais superiores não tem conseguido conferir aplicação uniforme à legislação que devem ser extintos, antes devem ser aprimorados. O fim da atuação do MP como parecerista também seria interessante. Há quem alegue a inconstitucionalidade de tal atuação. No âmbito criminal, o MP atua duplamente em um mesmo processo, como parte e como alegado fiscal da lei, sendo que, neste último caso, naturalmente propõe parecer pró-acusação. Se pararmos pra pensar, o advogado e o defensor público também não seriam fiscais da lei, prezando pela aplicação do princípio do devido processo legal?

  4. Jonas, meu caro, penso que o advogado só fiscaliza a lei e a aplicação do princípio do devido processo legal quando isso lhe convém, isto é, quando é interessante para o seu cliente. E não penso que isso seja moralmente errado. Quem tem que se comprometer com valores tais como justiça e direito são os juízes e promotores; o advogado se compromete com o cliente que ele próprio aceitou defender e a sua defesa. Assim é o jogo.

    Já quanto aos dos defensores públicos, estes sim terminam atuando como fiscais da lei, já que em muitos casos a defensoria serve mais como uma espécie de impedidor de nulidades, cuidando para que o processo se mantenha formalmente íntegro, do que como defensores realmente comprometidos com a melhor defesa para os assistidos.

  5. Paulo Queiroz, conheço o artigo. Muito bom por sinal. Só pensei que, já que colocou o MP no bolo das reformas do sistema judicial (item 8), achei que poderia ter mencionado também sobre a sua (equivocada, no meu ponto de vista) atuação como parecerista, consultor jurídico de desembargador (ou de assessor de desembargador).
    Um abraço e meus sinceros agradecimentos, como leitor, pelos artigos.

  6. Para mim, o juri é a instituição mais democrática do judiciário e, ao invés de ser abolida, sua competência deveria ser ampliada.

  7. Patrícia, sua proposta nada tem de absurdo, evidentemente. De todo modo, como os juízes têm competência para decidir todo e qualquer crime, muitos mais graves do que os crimes dolosos contra a vida, não vejo porque manter o juri, que, a rigor, julgar um único crime (homicídio doloso).

  8. Nobre Paulo, muito bom texto. Concordo com as mudanças e, principalmente, com a extinção do Tribunal do juri visto sua ineficácia e defeito diante das arbitrariedades concebidas, pelas conseqüentes injustiças cometidas pelos jurados leigos, além da falta de fundamentação das decisões. Isto oposto, sente-se, a grande possiblidade de alteração e até supressão deste instituto na CF.
    Forte abraço.

  9. Excelente artigo!

    Deixo apenas a sugestão de ser incorporada ao site uma ferramenta que possibilite o compartilhamento dos textos nas redes sociais.

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