Direito e Arte

28 de setembro de 2007

Parece certo que, por mais que estudemos literatura, teatro ou pintura, é pouco provável que um dia escreveremos como um Tolstoi, representaremos como um Jack Nicholson ou pintaremos como um Picasso. É que a arte, movida grandemente pela inspiração, requer qualidades que estão além da técnica, que pode eventualmente ajudar a aperfeiçoá-las, mas que dificilmente fará de um desafinado um virtuoso.

Talvez se possa dizer o mesmo do direito: uma excelente formação dogmática não é garantia de decisões justas, porque a técnica, no direito como na arte, só pode oferecer, na melhor das hipóteses, isso: decisões tecnicamente corretas. Mas decisões tecnicamente corretas não são necessariamente decisões justas, assim como decisões tecnicamente incorretas não são necessariamente decisões injustas (v.g., algumas decisões do tribunal do júri). É que uma boa interpretação, na arte como no direito, mais do que técnica e razão, exige talento e sensibilidade. E a técnica jurídica é apenas um meio a serviço de um fim: a justiça.

Existem outras semelhanças entre direito e arte. Ainda hoje é muito comum confundir lei e direito, como se fossem a mesma coisa. No entanto, confundir lei e direito equivale a confundir partitura e música, que são, obviamente, coisas distintas, podendo inclusive existir uma sem a outra. Com efeito, é perfeitamente possível produzir sons, melodias e música, como é comum, aliás, e principalmente compor, sem partitura alguma, a revelar que a música independe da partitura. Pois bem, o mesmo ocorre com o direito: é possível decidir casos sem nenhuma lei: basta pensar nos conflitos havidos em comunidades mais primitivas (v.g., indígenas) ou no commom law, além dos inúmeros casos não disciplinados pela lei (lacuna legal). O direito, como a música, existe com ou sem lei, com ou sem partitura.

Mas talvez o mais importante resida nisso: uma mesma partitura pode ser tocada de mil formas e ritmos, como, por exemplo, na forma de música clássica, rock, samba etc. E cada um desses ritmos e sons variará conforme o seu intérprete, suas influências, experiência, talento, formação etc. Também assim é a lei: uma lei, por mais clara e precisa, pode ser interpretada de diversos modos, variando conforme os pré-conceitos, influências, experiências, motivações, sensibilidade etc. do seu intérprete. A lei é uma partitura que pode ser interpretada de mil formas.

Não se deve, pois, confundir lei e direito, assim como não se deve confundir partitura e música: a música é o que decorre da execução do músico; o direito é o que resulta da interpretação do juiz ou tribunal. O direito, como a música, não é a lei nem a partitura: o direito é interpretação. Algumas interpretações julgamos boas e aplaudimos, outras julgamos ruins e condenamos.

Paulo Queiroz

Doutor em Direito (PUC/SP), é Procurador Regional da República, Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e autor do livro Direito Penal, parte geral, S. Paulo, Saraiva, 3ª edição, 2006.

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12 Comentários

  1. Direito e Arte é o texto mais esclarecedor que já li a respeito do que é Direito. Analogia que ilustra, define, mas sobretudo, poetiza, embeleza. Genial! Parabens Dr. Paulo Queiroz.

  2. É um texto bastante sucinto e ao mesmo tempo esclarecedor, gostei das comparações ente o direito e a arte feitas pelo autor!!!

  3. Dr. Paulo,

    Parabéns pelo site e pelo artigo. Com efeito, é possível a comparação dos ofícios do artista com o operador do direito.

    A arte preserva a comunicação e abertura reflexiva com sua essência. Entretanto, infelizmente, vários operadores do direito advogam a tese da imutabilidade do direito como sinônimo de segurança jurídica, em detrimento, à abertura crítica e ao poder construtivo do discurso jurídico.

  4. FERIA DE ARTE DE CHIAPAS marca el devenir del arte chiapaneco contemporáneo, en diálogo con el arte internacional. http://www.feriadeartechiapas.org.mx

    http://WWW.FERIADEARTECHIAPAS.ORG.MX

    MAGNO FERNANDES DOS REIS.
    CAFÉ Relax – Arte y Cultura
    Galería de Arte Gustavo Alvino Flores
    Calle diego de Mazariegos, 19 (interior) +
    Centro histórico
    29290.000 – San Cristóbal de las Casas. Chiapas. México.
    Teléfono – café – 967 -631 7607
    Casa – 967 1102021
    Celular- 967 1197566

    +
    Es una feria de arte que revela el internacional en el local. El eje central de la “Feria de Arte Chiapas” es promover el arte en todos los niveles de creación y apoyar las nuevas generaciones para el desarrollo de los valores artísticos. Este 2011, en el marco de San Cristóbal de las Casas Capital de la Cultura, esta feria, presentará una selección de lo mejor de la plástica local, nacional e internacional.

  5. Prezado Dr. Paulo,

    Primeiramente obrigada pelo seu inspirador texto!
    Sou atriz há 18 anos de um Grupo Teatral em Uberlândia e graduanda do 8o. Período do Curso de Direito da cidade.
    Estou definindo meu TCC e cada vez mais vejo a arte e o direito como meu tema predileto, haja visto que ambos saem e retornam para a mesma fonte: o ser humano.
    Gostei muito do texto e gostaria de saber se têm outros em torno do mesmo tema.
    O direito é uma arte e a arte é um direito de todo cidadão. É de pessoas sensíveis que o direito está carente para realizar o seu propósito primeiro: a justiça.
    Desde já agradeço,
    Katia Bizinotto

  6. Prezado Dr. Paulo,

    Primeiramente obrigada pelo seu inspirador texto!
    Sou atriz há 18 anos de um Grupo Teatral em Uberlândia e graduanda do 8o. Período do Curso de Direito da cidade.
    Estou definindo meu TCC e cada vez mais vejo a arte e o direito como meu tema predileto, haja visto que ambos saem e retornam para a mesma fonte: o ser humano.

    Gostei muito do texto e gostaria de saber se têm outros em torno do mesmo tema.
    O direito é uma arte e a arte é um direito de todo cidadão. É de pessoas sensíveis que o direito está carente para realizar o seu propósito primeiro: a justiça.
    Desde já agradeço,
    Katia Bizinotto

  7. eu queria saber os direitos a arte, artigos, etc
    eu tenho que fazer um trabalho sobre isso que todos tem o direito a arte até mesmo os deficientes.

  8. Mas quando falamos de arte estamos falando de liberdade, certo? essa interpretaçao das leis nao teria um certo limite? q fugiria dos principios basicos da arte?

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