Citações kotheanas

8 de dezembro de 2008

Quem adora o Cristo, o cristão, não acredita no que vê. Ele acredita no contrário do que está à vista. Ele não sente propriamente compaixão pela desgraça do crucificado, mas satisfação profunda pela salvação de si mesmo. Ele não está muito infeliz por contemplar a maldade humana de modo extremado numa crucificação; ele está, isto sim, muito feliz com o que ele acha que é a sua salvação. Nesse sentido, ele é um profundo hipócrita: finge estar com pena do outro, mas só tem pena de si mesmo; finge ter misericórdia pelo perseguido, mas só quer bajular o poderoso; finge solidariedade na desgraça, mas só que obter vantagens pessoais. A hipocrisia constitutiva do cristão corresponde à do Cristo que finge estar se deixando matar pelo próprio pai para melhor poder acabar com ele e tomar o poder que era do Velho, do Deus-pai. Assim, adorador e adorado se merecem. Viver nesse meio é nadar na hipocrisia. Que se considera virtude;

 

Dioniso é o deus da máscara e da celebração, mas ele se assume como tal, sendo patrono do teatro, atuando em peças: os atores são como que máscaras das paixões que ele representa. Cristo não se assume como ator, embora seja todo ele máscara. O grande mascarado é aquele que não ostenta a máscara como máscara. O grande ator não é aquele que atua no palco, mas no palanque, no palácio, no púlpito. Ele não é visto como ator. A grande atuação é aquela que não é visa como encenação, e sim como vida pura;

 

O crente não percebe como encenação o rito que produz o mito. Ele não vê teatro na simbologia, manipulação de sentidos e indução dos sentidos. A mímese como que desaparece como mímese. Aparenta ser o fato representado. Só este nunca aconteceu assim. Tem-se aí a mímese como imitação daquilo que não foi, e aí desaparece como mímese, pois se acredita piamente que haja não uma encenação, e sim uma presentificação, uma nova produção do evento, como se o antigo se apresentasse de novo;

 

Deuses são deuses porque têm poder. Se não tivessem, não seriam. E também não seriam adorados nem respeitados. Cristo não é adorado porque é um pobre miserável, pendurado numa cruz. A impotência dele é engodo, máscara que ele usa no corpo inteiro. Cristo na cruz é uma óximoron: uma união de contrários, mas uma união por montagem, em que só se enxerga uma fachada, a do crucificado. O que está por baixo, Cristo abrindo as portas do céu para os homens que nele crêem, não aprece, mas todos os cristãos supõem enxergar. O crucifixo não se abre propriamente para a infinitude, mas concentra a atenção em sua região central, onde fica o crucificado;

 

Cada cristão tem a convicção de que, na suprema miséria de crucificado, Cristo abre as portas do paraíso para quem o adora. Ele só está fraco na aparência. Ele tem muito poder. Quanto pior sua miséria extrema, maior seu poder interno. É um oxímoron: o mais fraco é o mais forte. Quem adora acredita que tenha imenso poder. Esse “poder” é a projeção de um desejo profundo do adorador; ter vida feliz para sempre. Ele gosta tanto de si que pensa merecer a vida eterna: misto de narcisismo e megalomania;

 

O judaísmo promove uma ânsia de superioridade racial, de “povo escolhido”, superior e dileto. É uma forma de narcisismo coletivo, que se manifesta sob a forma de racismo silencioso: o anti-semitismo em vários povos e épocas decorre do semitismo;

 

Todo estômago é um cemitério de milhões de vidas extintas pelo apetite de quem come;

 

A vida que não tiver a maldade de devorar vidas não sobrevive;

 

O “bonzinho” de barriga cheia é apenas um hipócrita. A vida é tão abundante que, para se manter, ela precisa da destruição mútua até se manter equilibrada;

 

Alguém derramar seu sangue por uma causa, dizia Nietzsche, não prova que essa causa seja justa, boa ou verdadeira: prova apenas que se acredita nela, nada mais.

 

Extraídas do prefácio feito por Flávio R. Kothe ao livro Nietzsche: fragmentos do espólio. Primavera de 1884 a outubro de 1885. Brasília: Editora UnB, 2008.

 

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14 Comentários

  1. Tudo posso Naquele que creio.
    Se Nele encontro paz, nela estarei.
    Se concentrarmos nossas forças no “que” ou em “quem” queremos crer, acreditaremos nos “seus” valores ou desvalores. Tudo é uma questão de escolha do ser humano e os seus reflexos está na evolução. Não importa a tarja da religião, apenas “sê bom e justo nas suas condutas”. A verdadeira liberdade não está em Constituições ou Códigos. Ela consiste no bem estar da nossa própria consciência.
    Karina Merlo. Salvador,BA

  2. Ai dos filhos rebeldes, diz o Senhor, que tomaram conselhos, mas não de mim! E que se cobriram com uma cobertura, mas não do meu Espírito, para acrescentarem pecado a pecado!
    Que descem ao Egito, sem perguntarem à minha boca, para se fortificarem com a força de faraó e para confiarem na sombra do Egito! Isaias 30, Vers. 1 e 2.
    É possível perceber no comentário de Karina Melo, uma paz espiritual sem igual. É disso que o homem precisa. Muito mais do que a insistência em que Deus não é Deus. O que ¨nossa opinião¨estar acima dos céus e da terra.
    Sossega-te o coração, querido. Jesus ti ama mesmo discordando de sua existência. Ele estgar acima de nossa pequenez e insignificância.
    ´

  3. Vocês, ateus, não aprendem mesmo! Vão todos para o inferno! Nós, crentes, homens de bem, puros, justos vamos ri da cara de vcs queimando no inferno, seus impios. Deus virá com sua espada sanguinária para cobrar sua justa vingança! Ai de Vocês!

  4. Como eu disse: tudo é uma questão de escolha…
    Se você encontra paz no que/quem você crê, ótimo. Se não crê e é feliz, parabéns! O ser humano deve se realizar naquilo que lhe faz bem! Simples!

  5. …É direito de ser ateu
    Ou de ter fé
    Ter prato entupido de comida
    Que você mais gosta
    É ser carregado, ou carregar
    Gente nas costas
    Direito de ter riso e de prazer
    E até direito de deixar
    Jesus Sofrer…
    …Minha mãe me disse há tempo atrás
    Onde você for Deus vai atrás
    Deus vê sempre tudo que cê faz
    Mas eu não via Deus
    Achava assombração, mas…
    Mas eu tinha medo!
    Eu tinha medo!…

  6. A religião é sintoma de mau-caratismo; minha experiência com pessoas religiosas me tornou extremamente desconfiadas com essas pessoas.

  7. Tudo é questão de interpretação… Existem dois olhares: fé e razão, como dizia o doutor da igreja, Tomás de Aquino. Esta é sempre mais fácil aceitá-la, pois encaixa qual uma luva em nossas mentes. Aliás, há uma crescente de religiões que se amoldam às pretensões humanas. Já a primeira jamais achará lugar exato no cérebro humano, não cabe em nossas cabeças. Talvez por isto, a única religião que defende este mistério, seja tão atacada por aqueles que só enchergam o que está à sua frente.

  8. oi sr.Raimundo, a despeito de entender sua indignação creio que precisa se expressar melhor, pois não é ´´ RI DE VOCÊS“ e sim ´´RIR DE VOCÊS“, mas tudo bem…….quanto aos crentes, que você diz serem puritanos, só quero te lembrar que o RR soares e o EDIR MACEDO são pessoas bastantes puras não é???…se o senhor acha que são então se junte a eles, pois eles também irão para o inferno……..SÓ QUERO LEMBRAR QUE ADMIRO O PROFESSOR PAULO QUEIROZ, NÃO SOU ATEU, APENAS ACREDITO EM DEUS E SOU APAIXONADO POR FILOSOFIA !!!

  9. “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus,
    Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens.
    E achado na forma de homem, humulhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz.
    Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira, e lhe deu um nome que é sobre todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho…” (Filipenses 2:5-10).

    Como ja havia lhe dito Doutor Paulo : Deus te ama muito!!!

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