Algumas orientações sobre a redação de petições, pareceres etc.

26 de março de 2022

Este texto foi originalmente criado para uso interno do gabinete. Por isso, alguns itens só fazem sentido para aqueles que atuam nele.

1)Evite adjetivos. Geralmente nada acrescentam ao texto. E não ficam bem em textos técnicos, pretensamente imparciais. Exemplo: egrégio, colendo, ilustre, ínclito, venerando, culto, sábio, nobre etc.

2)Evite pleonasmos ou acréscimos desnecessários. Exemplo: relevante importância, sentença de primeiro grau, resposta à acusação da defesa, direito pátrio, parte integrante, juiz prolator da sentença, magistrado de piso, tráfico ilícito, contrabando ilegal etc.

3)Evite os clichês, arcaísmos, expressões exageradas ou desnecessárias. Exemplo: decisão guerreada, sentença hostilizada, vergastada, objurgada, por oportuno, direito alienígena, com espeque, em testilha, nesse diapasão, é cediço, em sede de etc. Use mãe, pai, filhos, em vez de genitor, genitora, prole. Use é necessário, em vez de faz-se mister etc.

4)Evite expressões genéricas, se puder ser específico. Em vez de Tribunais Superiores, prisão provisória, pretório excelso, pena corpórea, use Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, prisão preventiva, prisão temporária, pena privativa da liberdade etc.

5)Evite expressões que não fazem sentido ou são usadas indevidamente. Exemplo: lado outro, posto que (equivale em verdade a “ainda que” etc.), inobstante etc. Evitemos também uso de mais de uma conjunção no mesmo parágrafo. Exemplo: “Todavia, apesar disso…”

6)Evite parágrafos longos e obscuros. Use parágrafos curtos, objetivos e diretos. Preste atenção na pontuação. Não separe o sujeito do verbo por meio de vírgula.

7)Evite inversão de frases. Exemplo: a sentença está correta, em vez de “correta está a sentença”.

8)Preste mais atenção à regência verbal. Raramente um verbo exige “pela”. Não se diz requer pela, postula pela, pede pela, sustenta pela. Mas requer isso, postula aquilo, pede tal coisa, sustenta a tese de. Evite o adentrou EM, implicou EM, acarretou EM. O verbo insurgir-se exige a preposição CONTRA, não quanto a ou em relação a.

9)Evite expressões latinas desnecessárias ou feias ou inexistentes. Exemplo: ab ovo, data maxima vania, concessa maxima venia, datíssima vênia, de cujinho.

10)Não mate o verbo ser. Em vez de “revela-se indispensável”, “mostra-se duvidoso”, diga: é indispensável, é duvidoso. Evite a primeira pessoa do singular (“eu penso que…”). Não use o pretérito mais que perfeito indevidamente. Não diga o réu fora condenado ou fora absolvido, mas o réu foi condenado ou foi absolvido etc.

11)Use a linguagem técnica e evite expressões não técnicas. Exemplo: use autor, coautor, partícipe, em vez de comparsa, meliante, parceiro. Use o autor, o agente, em vez de pessoa, alguém etc.

12)Quando necessário, enriqueça os textos com citações doutrinárias curtas e de qualidade.  Evite notas de rodapé, pois é comum o Sistema Único eliminá-las ou colocar em lugar indevido. A indicação precisa da fonte (livro, artigo etc.) deve ficar no corpo do próprio texto.

13)Cite somente precedentes do STJ e do STF. Ao citar precedentes, limite-se ao essencial, fazendo transcrições curtas.

14)Preste atenção aos modelos de parecer, fazendo as adaptações, acréscimos e cortes necessários.

15)Leve a sério o disposto no art. 315, §2°, do CPP (exigência de fundamentação). Esse dispositivo vale também para as petições e pareceres. Tudo deve ser cuidadosamente fundamentado.

16)Quando se tratar de parecer/acórdão que pode favorecer o corréu que não recorreu, mencione o art. 580 do CPP e peça a extensão dos efeitos do acórdão: “No caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.”

17)Denuncie as ilegalidades manifestas, ainda que não alegadas pelas partes. Por exemplo: os erros frequentes na aplicação da pena, a aplicabilidade do princípio da insignificância etc.

18)Não tenha receio de divergir das decisões majoritárias ou sumuladas do STJ ou do STF. Nesse caso, a fundamentação do parecer deve ser mais cuidadosa.

19)Redija ementas curtas e autoexplicativas.

20)Considere que esse é um trabalho de equipe. É sempre bom ouvir os colegas sobre os temas. E todos podem dar uma contribuição importante, inclusive os estagiários.

21)Considere que a qualidade é mais importante do que a quantidade de pareceres. Tenha a vaidade de fazer bem feito. Evite “se livrar do processo” como se fosse algo sem importância ou apenas mais um processo ou menos um. Tente fazer um trabalho “artesanal”.

22)Não tenha receio de divergir de meus posicionamentos. Estou permanentemente aberto à reflexão e à mudança.

23)Considere que escrever bem é escrever com clareza, precisão e concisão. Não é simular erudição.

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7 Comentários

  1. Sou Oficial de Justiça do TJSP. Encontrei essa página quando buscava informações sobre crise de ansiedade. Devo dizer que achei aquela postagem tão brilhante quanto essa. Me divirto ao mesmo tempo que lastimo os absurdos que leio nas petições de muitos advogados e até de promotores de justiça. Não posso afirmar que sou exímio conhecedor da língua portuguesa, mas não sou de todo ruim. O que eu não poderia deixar de considerar nesse artigo, que, justamente, se propõe a ensinar como escrever melhor, pudesse conter uma crase tão equivocada como a do item 15 (“Leve à sério…”). Pelo conjunto e valor inestimável da obra, vou considerar que esse acento grave no “a” foi coisa de corretor ortográfico de algum dispositivo eletrônico teimoso…rsrs. Parabéns Professor Paulo Queiroz.

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