A propósito da prescrição

9 de junho de 2010

Uma das coisas que mais fiz como advogado e (depois) como procurador e que ainda me causa uma certa angústia foi (é) arguir prescrição, inclusive em crime de homicídio. A prescrição constitui prova de que, contrariamente ao ditado popular, a justiça tarda e falha; e com bastante frequência. E mais: ao não decidir a questão de fato, fica sempre pendente a culpabilidade do réu, que não é declarado nem culpado nem inocente.

Que fazer?

Extinguir a prescrição ou tornar os crimes imprescritíveis seria uma falsa solução, porque, ainda que os crimes fossem considerados imprescritíveis, na grande maioria dos casos o provável desfecho da ação penal seria a absolvição por falta de prova ou algo semelhante. Como provar um homicídio cometido há mais de 20 anos e qual o sentido de uma punição aplicada tanto tempo depois do fato?

O problema fundamental não parece residir, portanto, na prescrição mesma, mas nas razões que levam os processos a prescreverem com tanta frequência. É comum dizer-se que temos um sistema recursal caótico que permite a multiplicação de recursos.

Isso é verdade, em parte. Realmente, temos recursos que na prática se converteram em expedientes meramente procrastinatórios e deveriam ser prontamente abolidos, a exemplo dos embargos de declaração.

Parece-me, porém, que o problema fundamental reside na estrutura elitista e burocrática do poder judiciário e na falta de coordenação entre Ministério Público e Polícia Judiciária, que deveriam constituir ou uma instituição única ou se deveria vincular a polícia ao Ministério Público, em virtude do caráter instrumental e auxiliar da atividade policial.

Sempre entendi que o mais importante no Poder Judiciário não são os tribunais, mas a primeira instância, que deveria ter a melhor estrutura possível. Mas na prática o que vemos são tribunais que mais parecem palácios e comarcas sem estrutura minimamente adequada.

Lembro-me de que, quando iniciei na advocacia numa pequena cidade do interior da Bahia, havia um juiz, mas à falta de um promotor público titular, substituía um promotor de uma outra comarca que ali comparecia eventualmente. Como eu era praticamente o único advogado militante na cidade, fui nomeado defensor dativo numa centena de processos criminais. E por faltar um promotor, o juiz, temendo que os processos continuassem a prescrever, passou a redigir algumas peças ministeriais, especialmente alegações finais, as quais eram assinadas pelo Promotor quando lá aparecia ou recebia as peças via correio.

Não sei se as coisas mudaram essencialmente desde então (penso na justiça estadual); e sempre me pareceu que os chamados tribunais superiores (STJ, STM, TST, TSE etc.) são um luxo desnecessário. Afinal, o mais importante é a existência de uma primeira instância forte, bem estruturada e, claro, um tribunal de apelação, a fim de assegurar o duplo grau de jurisdição, que não deve ser transformado em triplo grau de jurisdição, especialmente em tempos de relativização da coisa julgada.

Finalmente, parece ser necessário um tribunal constitucional. Todo o resto é luxo e desperdício de dinheiro público.

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11 Comentários

  1. COLEGAS, COMUNGO A IDÉIA DE A PRESCRIÇÃO SER UM INSTITUTO MUITO IMPORTANTE. TEM O CONDÃO DE OBRIGAR O ESTADO A DAR UMA RESPOSTA MAIS CELERE AOS ACUSADOS E SE NÃO O FIZER, O ESTADO É PUNIDO POR SUA INÉRCIA. (E A SOCIEDADE TAMBÉM). ACREDITO EM UM IDEAL UTÓPICO (PELO MENOS POR ENQUANTO) – SE OCORRESE UMA REFORMA MINIMALISTA SOMADA À CERTEZA DA PUNIÇÃO, TALVEZ LEVASSE A DIMINUIÇÃO DA CRIMINALIDADE. DEVERIAMOS TER UM PRIMEIRO GRAU RIGOROSO E DE NÍVEL O QUE CERTAMENTE AJUDARIA. E UM SEGUNDO GRAU COM MENOS RECURSOS PROTELATÓRIOS. TALVEZ SOBRE VERBAS PRA CONTRATAR MAIS JUIZES, PROMOTORES E DEFENSORES. Parabéns pelo site e um Abrç.

  2. Na minha opinião, o instituto da Prescrição representa instrumento de efetivação do Devido Processo Legal quanto ao pilar efetividade. Efetividade quanto a velocidade e qualidade do processo: é dizer, um processo com baixa qualidade levará mais tempo para ser concluído. E quanto a esse ponto, a baixa qualidade das investigações policiais, e também das denúncias apresentadas pelo MP violam o devido processo legal por prejudicarem tanto a sociedade como o próprio réu. A sociedade pelo fato de constatar, ao fim do processo, a impossibilidade de se punir o réu em decorrência das falhas da denúncia, gerando a sensação de impunidade. E pelo réu, vítima de um Estado cada vez mais policial, o qual se utiliza da supremacia do MP e das Polícias para acusar sem provas cabais, e para condenar midiasticamente cidadãos “inocentes”. Essas deficiências são comprovadas pela recorrência da prescrição nas ações penais e representam perdas incalculáveis para cada um de nós e, em especial, para os réus, vítimas de processos intermináveis com efeitos sociais irreversíveis.

  3. A prescrição é importante,não tanto por obrigar o Estado a dar uma resposta, mas por conter o poder punitivo do Estado, e por permitir que seja alcançada uma pacificação social, de uma outra maneira que não seja através da coerção.O uso protelatório dos recursos deveria ser controlado pela jurisdição, sem levar à necessidade da extinção de determinadas modalidades de recurso. A morosidade do serviço administrativo e jurisdicional é muito mais perniciosa que um supostamente alegado por muitos, “excesso” de recursos.

  4. Concordo plenamente que uma primeira instância bem estruturada é fundamental para se evitar o estado caótico em que se encontra o judiciário. A meu ver, no momento, dada a impossibilidade de mudanças rápidas e radicais nessa estrutura, a adoção da prescrição em perspectiva – tão rechaçada por nossos tribunais – é uma saída viável.
    Diante de uma inevitável impunidade causada pela inércia estatal, resta aos juízes dedicarem-se aos processos que atingirão um resultado social útil, evitando a perda de tempo e recursos de um sistema já tão deficiente.
    É claro que há muitos pontos desfavoráveis a essa visão, mas ainda assim considero a prescrição em perspectiva, nos casos específicos em que obviamente se operará a prescrição pela pena em concreto, uma opção inovadora e proveitosa, que merecia amparo legal.
    Certamente, os problemas do judiciário não serão resolvidos por uma medida tão simples e que se aplica a poucos casos, mas considero excelente a idéia de se evitar uma sentença vazia, que somente decide uma questão de fato, e em seguida, é obrigada a extinguir a punibilidade do réu, se condenado. Qual é a sua opinião a respeito?

  5. Bruna, estou de acordo quanto à prescrição em perspectiva; mas o fato é que, com a recente reforma penal e a nova súmula do stj, o instituto foi praticamente extinto. De todo modo, não acredito que a sua adoção teria grandes efeitos práticos, porque o problema é estrutural.

  6. Professor, mas como a reforma trazida pela Lei nº 12.234/2010 é, nesse aspecto, desfavorável ao réu, só será aplicada aos fatos posteriores a sua publicação, correto? Portanto, permanece o instituto para os casos em trâmite atualmente, que são praticamente todos anteriores a 06/05/2010. De qualquer modo, pelo que entendi da nova redação dada ao §1º, art. 110, do CP, a prescrição retroativa continua possível, mas apenas entre o recebimento da denúncia e a data da sentença. Logo, a prescrição em perspectiva, apesar de ter seu campo de atuação reduzido, também continua possível. É realmente este o raciocínio?
    Nada de relevante a ser acrescentado, mas, em relação ao problema estrutural do judiciário, lembro-me de uma palestra que assisti recentemente, na qual se falava de um sistema tão carente de julgadores, que ocorria até mesmo uma “terceirização” – palavra do palestrante – do judiciário, em que até a estágiários era dada a tarefa de julgar.
    Por fim, penso que de nada adianta uma garantia constitucional de uma razoável duração do processo, se, na prática, nada disso se aplica, devido ao problema estrutural, que, aliás, foi muito bem salientado no artigo.
    Obrigada por responder!

  7. Exatamente, Bruna, a reforma só é aplicável aos casos psoteriores à sua entrada em vigor e a prescrição retroativa não foi de to extinta. De nada adiante reformas legislativas, se a estrutura do judiciário etc. permanece a mesma.

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