Qual o sentido do parlamento hoje?

2 de setembro de 2013

Pode parecer piada, mas não é: o parlamento (moderno) ressurgiu, historicamente, como uma instituição revolucionária que visava a representar o povo.

 

Mas o que temos hoje? Um legítimo representante dos interesses populares?

 

Evidentemente que não. Temos, isto sim, uma corporação que mais se assemelha a uma quadrilha de peculatários e prevaricadores. Que nada tem de revolucionário. Que nada tem de popular. Que nada tem de democrático (exceto num sentido formalíssimo). E isso vale tanto para o congresso nacional (senado e câmara) quanto para as assembleias legislativas e câmaras de vereadores.

 

Temos, assim, atualmente, apenas uma corporação que perdeu o rumo da história. Que desconhece as condições políticas e históricas de legitimação de sua existência. E que mesmo quando atua no interesse do povo dissimula, pois o que de fato a move é a necessidade de perpetuar-se impunemente. Uma corporação que cuida, pois, de legislar em causa própria.

 

Parafraseando Rousseau, cabe dizer: “o povo brasileiro pensa ser livre; mas está muito enganado, pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento; tão logo estes são eleitos, ele é escravo, é nada. Nos curtos momentos de sua liberdade, o uso que faz dela mostra bem que merece perdê-la” (Do contrato social, Livro III, Capítulo XV).

 

Trata-se, enfim, de uma instituição falsamente democrática, logo, falsamente representativa, e tendencialmente corrupta.

 

Nesse contexto, não surpreende que a Câmara dos Deputados tenha se recusado a cumprir a Constituição (art. 15, III, e 55, VI) e não cassado o mandato do deputado Natan Donadon (condenado a treze anos de reclusão por peculato, isto, é apropriação/desvio de dinheiro público), já como preparação para os parlamentares condenados na ação penal 470 (mensalão).

 

Como diz o provérbio (adaptado): em casa de peculatário não se fala em peculato.1

 

Mas, mesmo que o cassassem, a cassação não passaria de um expediente para preservar a câmara mesma. É que, no modelo atual, o que o parlamento faz, a favor ou contra o interesse público, fá-lo, em última análise, no seu próprio interesse e no interesse dos grupos econômicos que o mantém.

 

Apesar disso, é forçoso reconhecer que o parlamento é (ainda) um mal necessário, mas cuja reforma é imperiosa. Extinguir uma das casas (câmara ou senado, indiferentemente) já seria um bom começo.

 

 

1O provérbio diz: “em casa de ladrão não se fala em furto”.

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3 Comentários

  1. Caro Paulo,
    suas palavras expressam intensa lucidez e coragem. Cabe frisar, ainda com base nas ideias de Rousseau (afinal de contas, Estado Democrático de Direito nada mais é do que Rousseau + Monstesquieu), que a vontade geral não admite representação.

    A vontade geral nada mais é do que uma forma de expressão comum dos interesses de cada um dos cidadãos, uma espécie de denominador comum entre as diversas, múltiplas e muitas vezes divergentes vontades individuais.

    Tal conceito de vontade geral se contrapõe, parafraseando termos biológicos, ao jogo de soma zero (relação predador-presa), no qual o indivíduo somente se realiza em detrimento da negação do outro, e também não admite representação, pois somente o cidadão emancipado e legislador de si mesmo pode ser capaz de defender seus interesses.

    No entanto, é manifestamente patente os desvios na função do parlamento, até porque não vivemos realmente numa democracia, mas sim numa plutocracia, na qual somente os grandes grupos econômicos e corporações multinacionais acabam determinando os principais rumos das políticas econômicas e sociais que o pais irá seguir.

    Aliás, tenho a forte impressão de que sequer podemos chamar este amontoado de pessoas de país, mas sim de um balcão de negócios, no qual quem der mais, leva!

    Um abraço do amigo André Vinicius.

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