Paulo de Souza Queiroz e Aldeleine Melhor Barbosa
A participação, isto é, cooperação dolosa em crime alheio, pressupõe, logicamente, a autoria, tratando-se, por conseguinte, de um conceito não autônomo, mas acessório, que, como tal, depende do conceito principal: o conceito de autor. Exatamente por isso, o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado (CP, art. 31).
Mas esse caráter acessório da participação comporta graus(1) e é ordinariamente assim classificado: a) acessoriedade mínima: a punição do partícipe depende da simples conduta típica do autor); b) acessoriedade limitada: a punição do partícipe exige conduta típica e antijurídica do autor; c) acessoriedade máxima ou extremada: a punição do partícipe exige, além da conduta típica e antijurídica, a culpabilidade do autor; d) hiperacessoriedade: a punição do partícipe depende também da punibilidade do autor.
Pois bem, apesar de a teoria da acessoriedade limitada (item b) ser absolutamente majoritária na doutrina(2), pensamos que a razão está com a teoria da acessoriedade extremada, motivo pelo qual sempre que o autor for absolvido por inculpabilidade (v.g., erro de proibição, coação moral irresistível), tal deverá beneficiar o partícipe, em virtude do caráter acessório da participação.
Em primeiro lugar, porque a inculpabilidade do autor implica o reconhecimento do caráter não criminoso do fato principal; logo, não faria sentido que se tivesse por criminosa a participação, acessória que é. É que a participação em fato não criminoso, criminoso logicamente não é. Em segundo lugar, porque a teoria da acessoriedade limitada acaba por autonomizar a participação relativamente à autoria, negando-lhe a pressuposta acessoriedade. Em terceiro lugar, porque não parece compatível com o princípio da proporcionalidade que, embora absolvido o autor, se possa castigar o partícipe. Em quarto lugar, porque nem sempre é fácil estabelecer uma diferenciação clara entre excludentes de ilicitude e de culpabilidade (v.g., coação moral irresistível e legítima defesa de terceiro), e, pois, saber se o partícipe é ou não jurídico-penalmente responsável. Além disso, a distinção entre uma e outra não preexiste à interpretação, mas é dela resultado.
Daí se dizer que não se pode aplicar a teoria da acessoriedade limitada sem maiores reflexões(3). É que situações há em que a não inculpabilidade do autor haverá de se comunicar ao partícipe necessariamente. É o caso do pai que realiza a conduta típica sob séria ameaça de morte de seu filho (coação moral irresistível), hipótese em que o partícipe que o auxilia não poderá ser responsabilizado, isoladamente, pelo cometimento do crime.
O mesmo pode ser dito quando o partícipe auxilia o autor a praticar um fato amparado pela inexigibilidade de conduta diversa. É o caso do dono da empresa que, já em processo falimentar e com vários títulos protestados, deixa de repassar à Previdência Social as contribuições descontadas de seus empregados. Com efeito, quem ajuda o agente que se encontra em tal situação não pode responder autonomamente pelo crime do art. 168-A do Código Penal, pois tampouco lhe é exigível conduta diversa. Também não faz sentido que o autor seja absolvido por erro de proibição inevitável e o partícipe condenado (v.g., o caçador e quem o auxilia; aquele absolvido, este condenado).
Quanto à objeção de que o partícipe seria beneficiado por circunstância pessoal que não lhe diz respeito, tal é perfeitamente aplicável às excludentes de tipicidade (v.g., erro de tipo) e ilicitude (v.g., legítima defesa), e, pois, não procede.
Finalmente, tudo o que acaba de ser dito não se aplica à hipótese de inimputabilidade por alienação mental ou menoridade, porque, diversamente dos demais casos de exclusão de culpabilidade, aqui o autor (inimputável) sofrerá uma sanção adequada à sua situação: medida de segurança ou medida sócio-educativa, conforme o caso. Exatamente por isso, o partícipe, tendo tomado parte numa ação típica, ilícita e culpável, logo, punível, será castigado na forma da lei. Aqui, sim, a circunstância de caráter pessoal do autor não lhe aproveita. E mesmo que pudesse aproveitá-lo, não seria para deixá-lo impune, mas para lhe impor medida de segurança ou medida sócio-educativa, sanções legalmente incompatíveis com a sua condição de imputável.
Por último, não é correto dizer que o Código Penal adotou a teoria da acessoriedade limitada por conta do disposto nos arts. 29, § 2º, 30, 31 e 62, todos do CP(4). Sim, porque, embora tais artigos afirmem a acessoriedade da participação, nada dizem sobre o seu grau, que é assim uma questão doutrinária(5). Mais: dizem respeito essencialmente à punibilidade e à individualização judicial da pena, e só acidentalmente à teoria do crime.
Notas
(1) MAYER, Marx Ernest apud BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p. 164.
(2) Nesse sentido: WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman. Santiago: Editorial Juridica de Chile, 1993, p. 135; JESCHECK, Hans-Heirich. Tratado de Derecho Penal: Parte General. 4ª ed., Granada: Editorial Comares, 1993, pp. 596-597. No Brasil: DE JESUS, Damásio. Direito Penal: Parte Geral. 27ª ed., vol I, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 416; BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 423/424; BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, pp. 164-165; GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Vol I, 8ª ed., Niterói: Impetus, 2007, pp. 453/454; ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. pp. 684-686. Contrariamente, adotando a teoria da acessoriedade limitada: Bruno, Aníbal apud BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p. 165; BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: Parte Geral. Vol I, São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 416-417; RAMOS, Beatriz Vargas. Do Concurso de Pessoas. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 42. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol I, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 342-343.
(3) GALVÃO, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, pp. 471/472.
(4) Nilo Batista. Concurso de Agentes, cit., p. 165 e GALVÃO, Fernando. Direito Penal, cit, p. 472.
(5) Flávio Augusto Monteiro de Barros. Direito Penal, cit., p. 417.
Paulo de Souza Queiroz
Doutor em Direito (PUC/SP), procurador regional da República e professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB)
Aldeleine Melhor Barbosa
Analista processual do Ministério Público da União e especialista em Direito Público
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Oi colega! Eu nao sou mto de fazer comentarios, mas gostei mto de seu site! Gostaria de te dar meus parabens! Continue assim!
Ola amigo! Nao sou de ficar fazendo comentario, mas eu queria parabeniza-lo pelo otimo site que voce tem! Continue com esse otimo trabalho!
A coação moral irresistível, ordinariamente, é relacionada como caso de autoria mediata. Ou seja, consideram que ao autor da coação deve ser imputada a conduta do autor do fato previsto como crime. Exemplo: João ameaça matar José, de dois anos, caso Pedro, seu pai, não ateie fogo no galpão da loja de Marcos, desafeto do primeiro. A doutrina majoritária, a mesma que relaciona tal exemplo como caso de autoria mediata (e não como participação), revela-se desatenta à contradição que encerra a concomitante defesa da teoria da acessoriedade limitada.
Não dou muita importância as teorias, noentanto no caso in comento, sou da opinião, que autoria e participação, caminham pela mesma esteira.