Pode o MP desistir de recurso já interposto?

6 de abril de 2018

Temos que sim, apesar da vedação do artigo 576 do CPP2.

Com efeito, com exceção da remessa oficial, que a rigor, não é recurso, os recursos são sempre voluntários3, seja quanto à vontade de interpor, seja quanto à vontade de dar-lhe continuidade, podendo as partes desistir a qualquer tempo, razão pela qual a previsão do artigo 576 do CPP, editado num contexto político autoritário (Ditadura Vargas), não faz sentido algum nos dias atuais.

Daí dizer Azevedo Franco que o artigo 576 do CPP só se justificaria se houvesse entre nós o sistema de recurso compulsório adotado por legislações processuais estaduais3.

Além disso, o processo penal brasileiro contemporâneo caminha no sentido de adotar o princípio da oportunidade, como demonstram institutos como a transação penal, a suspensão condicional do processo, o acordo de não persecução penal (Resolução 181 do CNMP) e, especialmente, a colaboração premiada, em particular, o acordo de imunidade formalizado entre o MP e o colaborador, previstos para os mais graves delitos cometidos por organizações criminosas (Lei n° 12.850/2013).

Tampouco cabe invocar, em favor do artigo 576 do CPP, o princípio da obrigatoriedade da ação penal (CPP, art. 42), já que não houve desistência da ação penal ou do processo penal, mas tão somente da apelação interposta contra decisão absolutória.

Assim, não faz sentido obrigar o MP a dar continuidade a um recurso que, embora interposto, considerou incabível ou desnecessário, razão pela qual deixou de apresentar razões.

Há aí uma contradição lógica insuperável: o recurso é voluntário, segundo a lei, mas, se interposto, não é passível de desistência. Ora, quem pode o mais (não recorrer), há, em princípio, de poder o menos (dele desistir).

Como escreve Elmir Duclerc, “De nossa parte, e ancorados no princípio constitucional da proporcionalidade, não vemos qualquer razão para que não possa o Ministério Público desistir ou renunciar, eis que pode simplesmente conformar-se e deixar de recorrer da decisão”4

Por fim, não é justo – e conforme a independência funcional dos membros do MP – que, atuando Procuradores da República distintos, o segundo tenha, necessariamente, de dar seguimento ao apelo, não podendo dele desistir.

Daí dizer André Nicollit5, com base em precedente do TJRJ, em que foi relator o Desembargador Geraldo Prado:

Não obstante, na jurisprudência já encontramos uma análise constitucional do art. 576 do CPP, permitindo ao Ministério Público desistir do recurso. Tal entendimento, expresso na ApCrim 2007.050.01031, do TJRJ, que teve como relator o Des. Geraldo Prado, pode ter seus fundamentos assim sintetizados:

Primeiramente, a independência funcional do membro do Ministério Público tem assento constitucional, não podendo ser afetado por norma infraconstitucional como o artigo indigitado. Ademais, a indisponibilidade da ação se justifica pela sua obrigatoriedade, mas não há obrigatoriedade em recorrer, não se justificando a impossibilidade de desistência do recurso. Com isso, conclui o acórdão pela possibilidade da desistência do recurso por parte do órgão do Ministério Público.

Cumpre destacar que nos filiamos a este entendimento ainda minoritário na doutrina e na jurisprudência, que saudavelmente vem reconhecendo a disponibilidade do recurso por parte do Ministério Público.

Também por isso, é certo que o segundo Procurador da República que atuou no caso e desistiu do recurso poderia, perfeitamente, apresentar razões em sentido contrário à apelação, dada a independência funcional, como reconhece Renato Brasileiro de Lima6:

Por isso, considerando que, por força do princípio da independência funcional, o órgão do Ministério Público é livre para oficiar fundamentadamente de acordo com sua consciência, com a Constituição e com a lei, não estando subordinado a manifestações ministeriais anteriores, é plenamente possível que este segundo Promotor de Justiça apresente razões recursais em sentido diverso da petição de interposição. Logo, na hipótese de sentença absolutória contra a qual tenha sido interposto recurso de apelação objetivando a condenação do acusado, o Promotor de Justiça responsável pela apresentação das razões recursais poderá se manifestar fundamentadamente no sentido de manutenção do decreto absolutório, o que não pode ser considerado como hipótese de desistência tácita.

Assim, não seria minimamente razoável exigir-se a apresentação de razões pelo apelante, especialmente quando a sentença é favorável ao réu, em cujo favor milita presunção constitucional de inocência, não de culpa (CF, art. 5º, 57).

2Art. 576 do CPP. O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto.

3  Art. 574. Os recursos serão voluntários, excetuando-se os seguintes casos, em que deverão ser interpostos, de ofício, pelo juiz:

I – da sentença que conceder habeas corpus;

II – da que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, nos termos do art. 411.

3Apud Gustavo Badaró. Manual dos recursos penais. São Paulo: RT, 2017, p.151.

4Direito processual penal. Rio: Lumen juris, 2008, p.584

5Manual de Processo Penal (livro eletrônico). São Paulo: editora revista dos tribunais, 2016, p.35.

6Manual de processo penal. Salvador: editora juspodivm, 2018, p.1691.

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