Execução imediata das condenações do júri?

9 de abril de 2018

Embora haja argumentos plausíveis (ainda que discordemos) relativamente à antecipação dos efeitos da condenação depois de assegurado o duplo grau de jurisdição, o mesmo já não ocorre com relação à execução imediata das decisões do tribunal do júri, também admitida pelo STF (HC n°118.770/SP), com fundamento na soberania dos veredicto

É que a soberania dos veredictos não significa irrecorribilidade das decisões do júri, mas recorribilidade limitada, já que, apesar de não poder reformá-la no mérito, condenando ou absolvendo o réu1, o tribunal poderá prover a apelação, anular a decisão do júri e mandar o réu a novo julgamento sempre que a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos (CPP, art. 593, III, d). Cabe também apelação quando: a)a sentença do juiz-presidente for contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; b)houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança.

A soberania dos veredictos implica, essencialmente, uma restrição ao poder de revisão das decisões de mérito. Mas esse poder não é absoluto, razão pela qual as decisões do júri, além de apeláveis, são passíveis de revisão criminal (CPP, art. 621), seja para absolver o réu, seja para atenuar a condenação.

Assim, havendo apelação para reformar a decisão do júri, a execução imediata da sentença condenatória ofenderá, claramente, o devido processo legal, a presunção de inocência e a garantia do duplo grau de jurisdição.

No particular, René Ariel Dotti tem razão, portanto, quando assinala que falar aqui de interpretação conforme a Constituição ou de mutação constitucional2 é puro eufemismo com a finalidade de alterar a redação do texto legal, razão pela qual equivaleria a dizer que “o branco é preto, que onde se lê quadrado, deve-se passar a ler círculo; onde está escrito escuro, leia-se iluminado; no lugar de “a apelação terá efeito suspensivo”, entenda-se “a apelação não terá efeito suspensivo”3.

1De acordo com José Frederico Marques, “se soberania do Júri, no entender da communis opinio doctorum, significa a impossibilidade de outro órgão judiciário substituir ao Júri na decisão de uma causa por ele proferida, soberania dos veredictos traduz, mutatis mutandis, a impossibilidade de uma decisão calcada em veredicto dos jurados ser substituída por uma sentença sem esta base. Os veredictos são soberanos, porque só os veredictos é que dizem se é procedente ou não a pretensão punitiva. MARQUES, José Frederico. A instituição do júri. Campinas: Bookseller, 1997, p.80.

2O Ministro Luís Roberto Barroso valeu-se, especialmente, do conceito de mutação constitucional. De acordo com Barroso, além do poder constituinte originário e do poder de reforma constitucional, existe uma terceira modalidade de poder constituinte: o que se exerce em caráter permanente, por mecanismos informais, não expressamente previstos na Constituição, mas por ela admitidos, como são a interpretação de suas normas e o desenvolvimento de costumes constitucionais. Embora proponha limites à mutação constitucional (as possibilidades semânticas das normas, isto é, os sentidos possíveis do texto, bem como a preservação dos princípios fundamentais que dão identidade àquela específica Constituição), Barroso parece admitir mutações constitucionais inconstitucionais, isto é, que contrariem o texto da Constituição. Apesar disso, reconhece que “os conceitos e possibilidades semânticas do texto figuram como ponto de partida e como limite máximo da interpretação”, razão pela qual “o intérprete não pode ignorar ou torcer o sentido das palavras, sob pena de sobrepor a retórica à legitimidade democrática, à lógica e à segurança jurídica. A cor cinza pode compreender uma variedade de tonalidades entre o preto e o branco, mas não é vermelha nem amarela”. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.291/2 e 127. Em sentido diverso, Cláudio Souza Neto e Daniel Sarmento têm que a visão excessivamente judicialista da mutação constitucional, embora frequente no Brasil, é equivocada do ponto de vista descritivo e prescritivo, seja porque não descreve corretamente como o fenômeno da mutação opera no mundo real, seja porque não fixa uma orientação adequada sobre a forma como deveria funcionar. Direito constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p.345. Para Konrad Hesse, os limites da mutação seriam os limites da própria Constituição. Temas fundamentais do direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. Embora haja quem defenda que não há limite algum à mutação constitucional (Uadi Lammego Bulos. Mutação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997), em geral a doutrina reconhece tais limites. Nélson Nery Júnior (Anotações sobre mutação constitucional – Alteração da Constituição sem modificação do texto, decisionismo e Verfassungsstaat) considera que “A mutação constitucional não pode ser prévia e intencionalmente anunciada, pois isso constitui ruptura da Constituição, circunstância que ocorre em Estados totalitários, não informados pelo princípio do Estado Democrático de Direito ou Estado Constitucional (Verfassungsstaat). No caso do Brasil, em que um dos fundamentos da república é o estado democrático de direito (CF, art. 1°, caput), não se pode romper voluntariamente, intencionalmente, com a Constituição sem alteração formal do texto – por emenda constitucional -, sob pretexto de que teria havido mutação constitucional, pois isso caracteriza ofensa ao devido processo legislativo (CF, art. 5°, LIV).

3Execução imediata da condenação pelo júri – um equivocado exemplo de ativismo judicial. Disponível em migalhas.com.br, acessado em 9/4/2018.

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