Co-culpabilidade?

22 de novembro de 2007

Como é sabido, a palavra culpabilidade é utilizada em vários sentidos, tais como: a)princípio da culpabilidade; b)princípio de não-culpabilidade; c)crime culposo; d)culpabilidade como circunstância judicial; e)culpabilidade como elemento do conceito analítico de crime. E mais recentemente, alguns autores, especialmente Zaffaroni, Juarez Cirino e Grégore Moura, falam de co-culpabilidade.

No sentido de princípio de culpabilidade, o conceito é empregado como sinônimo de princípio da responsabilidade penal pessoal/subjetiva, significando que nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente, motivo pelo qual só deve responder pela infração penal o seu respectivo autor, co-autor ou partícipe; constitui, portanto, um postulado político-criminal que impede a responsabilidade penal objetiva e/ou presumida, compreendendo o dolo e a culpa inclusive. No sentido de princípio da não-culpabilidade – ou princípio da presunção de inocência – significa que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória; constitui, assim, um princípio de caráter processual: até prova em sentido contrário, é de se ter o agente como inocente, de modo que, se a inocência é presumida, a culpa requer prova por parte de quem formula a acusação (Ministério Público ou querelante).

Já quando empregada como sinônimo de crime culposo (culpa em sentido estrito), corresponde ao crime praticado com imprudência, negligência ou imperícia, isto é, com infração de um dever de cuidado, ou, ainda, criação de risco proibido e realização desse risco no resultado.

A culpabilidade também constitui circunstância judicial (CP, art. 59) a ser considerada no momento da individualização judicial da pena; significa então que, ao proceder à fixação da pena, o juiz deverá tomar em conta o grau de reprovabilidade/exigibilidade da conduta: quando mais exigível um comportamento diverso/conforme o direito, mais reprovável será a infração penal; quando menos exigível, menor a censurabilidade e, pois, menor o castigo. Enfim, a culpabilidade corresponde aqui à idéia mesma de proporcionalidade em sentido estrito, a ser aferida segundo múltiplas circunstâncias.

Mais freqüentemente se diz que um crime é, do ponto de vista analítico, um fato típico, ilícito e culpável. Com isso se quer dizer que, além da tipicidade e ilicitude, a punibilidade de um comportamento reclama a comprovação de que, no caso concreto, era perfeita e razoavelmente possível e exigível do seu autor um comportamento diverso, isto é, conforme o direito (culpável); o agente não atuará, por isso, culpavelmente, mas inculpavelmente, sempre que lhe faltarem a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude ou a exigibilidade de conduta diversa. A culpabilidade nesse sentido constitui, portanto, o terceiro requisito do crime.

Mais recentemente alguns autores falam ainda de co-culpabilidade como circunstância supra-legal de atenuação da pena1. É que há casos em que as condições sócio-econômicas do agente são de tal modo adversas que o juiz, ao proceder à individualização da pena, não pode ignorá-las, devendo lhe atenuar o castigo por isso, desde que haja relação casual entre tais condições e o delito cometido, motivo pelo qual a sua aplicação ocorrerá principalmente, mas não exclusivamente, nos crimes patrimoniais (furto, estelionato etc.).

Convém notar aliás que alguns códigos penais a referem claramente, embora sem recorrer, em geral, a essa denominação, como o código colombiano, ao dispor que a pena será atenuada se o autor praticar a infração penal sob a influência de profunda situação de marginalidade, ignorância ou pobreza extrema que hajam influenciado diretamente o cometimento do crime e não sejam suficientes para excluir a própria responsabilidade jurídico-penal (art. 56).

Trata-se, portanto, de um conceito que se aproxima muito do estado de necessidade e da inexigibilidade de conduta diversa, mas que com estes não se confunde, e em relação aos quais tem caráter residual/subsidiário, pois a adoção da atenuante da co-culpabilidade pressupõe, logicamente, a rejeição ou o não reconhecimento da causa de justificação (estado de necessidade) ou da excludente supra-legal de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa) com as quais guarda semelhança. É que tais excludentes conduzem à absolvição pura e simples; a co-culpabilidade, ao contrário, pressupõe a condenação.

Temos, porém, que em verdade a chamada co-culpabilidade não é senão uma dimensão do próprio conceito de culpabilidade enquanto circunstância legal, a atenuar ou agravar a pena2, conforme o caso, uma vez que, se culpabilidade é exigibilidade (maior ou menor), a ser aferida tomando em conta as múltiplas variáveis do caso concreto, tal há de ser menor quanto àquele que comete delito premido por condições sócio-econômica especialmente adversas.

Em suma, parece-nos que co-culpabilidade é um nome novo para designar coisa velha: a própria culpabilidade.

 

Paulo Queiroz

 

 

 

1Assim, Grégore Moura. Do Princípio da co-culpabilidade. Niterói, Rio: Editora Impetus, 2006.

 

2Tanto é assim que se fala de co-culpabilidade às avessas, situação em que a pena seria agravada.

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17 Comentários

  1. Olá, Professor.

    Parabéns pelo artigo, gostei muito – rico, conciso e de agradável leitura.
    Estou pensando em fazer minha monografia de graduação acerca deste tema, “Co-culpabilidade”.
    O Senhor recomenda mais algum livro (além dos três autores já citados – Zaffaroni, Cirino e Moura) ou texto de fácil acesso?

    Desde já sou grato.
    Um abraço.

  2. PARABÉNS PROFESSOR POR ESTE ARTIGO DE GRANDE VALIA NO MEIO ACADÊMICO, EM ESPECIAL AOS ESTUDANTES E AMANTES DO DIREITO PENAL.
    CONTINUE PUBLICANDO ESTES GRANDES ENSINAMENTOS!

  3. Estou trtabalhando esse tema em minha monografia, fico agradeciido se puder orientar-me como sdquirir mais material para enriquecer pois julgo um assunto mais que atualizado, em face ao abandono do estado liberal em suas obrigações sociais cosntantes na Constituição Fedral.
    Parabens pela exposição jurídica.

    João

  4. Não comcordo com essa teoria, pois da margem a quem pratica tais criems, e é muito subjetivo analizarmos se houve ou não a interferencia do meio social com o crime praticado. Deve-se criar meios efetivos para garantir os direitos fundamentais regidos pela nossa constituição e que o Estado é tão ausente, também temos que lembrar que o sistema carcerário que seria responsável pela ressocialização do detento, em nada contribui para tal, até mesmo judciaário deixa a desejar na sua parte de contribuição.

  5. Nossa professor,
    realmente se olharmos mais claramente para o assunto nota-se até vergonhosamente que estamos inventando nomes novos para marcas velhas…
    Penso que percamos muito tempo tentando modificar nomenclaturas de teorias em vez de nos dedicarmos mais a aplicação da lei de forma mais vigente e humana.
    Seu texto é de uma clareza e simpliscidade incrível e é isso que nós, futuros magistrandos precisamos, de florear menos em palavras e dedicarmos mais as ações.
    Enbelezam tanto em palavras difíceis e termos latinos que chegamos as vezes a ler todo um texto e simplesmente não compreendermos uma palavra, reler mil vezes a mesma coisa e acabarmos por decorar palavras para a prova sem conseguirmos compreender o que realmente tem de ítil em todas aquelas palavras bonitas e lá na frente, quando realmente chegamos a compreender, já é bem tarde, pois na maioria das vezes já estamos na prática e com vidas dependendo de nós.
    Menos dógmasd e paradígmas e mais realizações e clareza.
    Hoje as miças não são rezadas mais em latim né…
    A consequência é que temos mais cristãos e uma população mais esclarecida e conciênte…
    Quisera eu ter sempre textos esclarecidos assim até o final de meu curso..
    Passria em primeiro lugar no exa me da órdem.

    Michelle Tamietti

    Estudante de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minhas Gerais
    Coração Eucarístico

  6. Professor, foi de grande contibuição tal texto para minha monografia.
    Ocorre que não consigo ter acesso ao livro do Moura, como consegui-lo?

  7. Esclarecedor Professor. Normalmente os livros para consurseiros não tratam desse tema com a singeleza aqui tratada e a precisão necessária para resposta nos exames.

    Muito obrigado.

  8. Professor, o que pode me dizer sobre o principio da responsabilidade pessoal? De que forma a pena transcende do condenado a seus familiares?

  9. Professor me parece que o Zaffa não utiliza mais esta nomenclatura. Na verdade este nome ainda se faz presente na obra que ele escreveu com Pirangelli (publicada pela RT), mas em seus escritos específicos ele reformulou (doutrinariamente) este conceito para “culpabilidade pela vulnerabilidade”.
    Estou certo? É isso mesmo?

  10. Mestre,

    saudações de seu conterrâneo de Itaberaba e da Egrégia Faculdade de Direito. Nada se cria, tudo se renova.

    At.

    Viniclip.

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