A propósito da decisão do STF sobre progressão em crime hediondo

1 de março de 2006

A declaração de inconstitucionalidade da progressão da Lei nº 8.072/90.

A recente decisão do STF (HC 82959), declarando inconstitucional a proibição de progressão de regime nos crimes hediondos previstos na Lei n° 8.072/90, embora desejável do ponto de vista político-criminal, é dogmaticamente incorreta. Sim, porque, conquanto a opção político-criminal não tenha sido das mais felizes, o legislador infraconstitucional, ao definir os crimes hediondos e vedar a progressão de regime, não agiu em desconformidade com o princípio da individualização da pena; antes o regulou, tal como determinado constitucionalmente.

É que a própria Constituição, que houve por bem criar essa categoria de crimes (art.5°, XLIII), limitou-se no particular a dizer tão-só que a “lei regulará a individualização da pena” (CF, art. 5°, XLVI), elencando a seguir as penas permitidas e proibidas, além de prever que o cumprimento da pena se dará em estabelecimentos distintos e assegurar certos direitos ao preso; omissa que foi, portanto, quanto aos elementos essenciais da individualização, competia ao legislador ordinário estabelecer os seus termos.

Assim, no estrito cumprimento dessa competência constitucional, em tese o legislador poderia: a) limitar a pena de prisão para determinados crimes, só os mais graves; só os hediondos, por exemplo; b)estabelecer novos limites máximos e mínimos de pena; c)abolir a pena mínima; d)suprimir a distinção entre reclusão, detenção e prisão simples, unificando-as sob o nome de pena de prisão; e)fixar em 10 anos o limite máximo de pena (proposta de Ferrajoli); f)abolir a progressão/regressão de regime, estabelecendo regime único de cumprimento, acabando com a nomenclatura fechado, semi-aberto e aberto; g)estabelecer novos parâmetros/critérios para a individualização da pena, reformulando por inteiro o disposto no art. 59 do Código Penal; h)ditar novos critérios para o livramento condicional, remição, comutação de pena etc.; i)abolir alguns desses institutos; j)etc.

E a razão é simples: a grande maioria dos institutos jurídico-penais relacionados à individualização e à execução da pena não tem natureza constitucional, mas infraconstitucional, tanto que quase todos precedem às Constituições e sobrevivem às mudanças constitucionais. Sobre a progressão/regressão de regime, por exemplo, não há uma única palavra do constituinte a respeito. Ao decidir, pois, pela inconstitucionalidade da proibição de progressão em crime hediondo, o STF acabou por dar status constitucional a normas e institutos infraconstitucionais, numa clara subversão da hierarquia das leis.

Não bastasse isso, a progressão de regime, apesar de importante, não constitui o único nem mais relevante aspecto da individualização da pena, que compreende, dentre outras coisas, a decisão sobre condenar ou absolver, aplicar pena ou medida de segurança, dosar a pena, substituir a pena de prisão por restritiva de direito etc. Além disso, pode o condenado por crime hediondo fazer jus a livramento condicional após cumprir mais de 2/3 da pena, exceto se reincidente especifico em crime dessa natureza.

Tudo isso vem de confirmar, aliás, que, em rigor, as leis nada prescrevem, proíbem ou autorizam. Em verdade, as leis prescrevem, proíbem ou autorizam o que dizemos que elas prescrevem, proíbem ou autorizam; as leis dizem, enfim, o que dizemos que elas dizem. Mais: interpretar não é um ato de verdade, mas um ato de vontade (Gustav Radbruch).

Não obstante isso, tenho que no caso concreto ao juiz é dado, senhor que é da individualização, e tendo em conta as múltiplas variáveis que o envolvem, reconhecer em favor do réu a progressão de regime, sempre que as circunstâncias (judiciais e legais) lhe forem favoráveis. É que a só gravidade abstrata do crime, embora necessária, não é suficiente para justificar o cumprimento integral da pena em regime fechado.

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