Quem sou

17 de agosto de 2011

Quando quis, distingui pessoas e não-pessoas, distingui índios e negros e fiz ambos escravos; fiz da escravidão uma instituição; autorizei o genocídio, mas quase ninguém o percebeu.

Ainda os quero diferentes, mas os mudei de modo sutil: revi a igualdade e agora não chamo de racismo ao racismo; dou-lhes outros nomes e funções.

Quando quero, faço criminosos heróis, homens deuses; faço vítimas amarem seus algozes, falando sua língua, adotando seus costumes, amando seus deuses; transformo lendas em verdades e faço sagrada a mentira.

Eu estou em todos os lugares e em parte alguma; estou no gesto mais simples, como no amante que diz para a sua amada: “eu te amo e não saberia viver sem você”; e, não obstante, é capaz de matá-la, se suspeitar de traição, ou de perdoá-la mil vezes.

Em tudo estou e não me manifesto explicitamente; prefiro as metáforas: amor, ódio, paixão, direito, justiça, beleza e deus são minhas metáforas preferidas.

Não sou nada disso e sou tudo isso; estou em todos os lugares e em lugar algum.

Estou na semente que brota, na chuva que cai, no sol que ilumina.

Estou na planta que cresce, nas flores que desabrocham e na abelha que tira a seiva.

Sou a palavra que salva ou mata, que elogia ou ofende.

Estou no herói e no santo, no criminoso e sua vítima.

Estou no espermatozóide e no óvulo, no embrião e no feto e em cada célula.

Sou o parto, o sangue, a urina e fezes; sou as glândulas, veias e artérias, unhas, dente e cárie.

Estou no corpo em decomposição e nos fungos e bactérias e vermes que festejam cada evento.

E tudo isso me parece indiferente, como o bem e o mal, o certo e o errado, o odor e o cheiro, a vida e a morte: tudo me é um estado continuum de avanços e retrocessos, adaptações, evoluir e regredir.

Sou o ético e o estético, justo e o injusto, o pio e o ímpio, o sagrado e o profano. E nunca sou o mesmo: sou e não sou; sou um fluxo permanente.

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10 Comentários

  1. Lembrei de raozito:

    Às vezes você me pergunta
    por que é que eu sou tão calado
    não falo de amor quase nada
    nem fico sorrindo ao seu lado
    Você pensa em min toda hora
    me come me cospe me deixa
    talvez você não entenda
    mas hoje eu vou lhe mostrar

    Que eu sou a a luz das estrelas
    eu sou a cor do luar
    eu sou as coisas da vida
    eu sou o medo de amar

    Eu sou o medo do fraco
    a força da imaginação
    o blefe do jogador
    Eu sou, eu fui, eu vou

    Gitá, gitá gitá gitá

    Eu sou o seu sacrifício
    a placa de contra-mão
    o sangue no olhar do vampiro
    e as juras de maldição

    Eu sou a vela que acende
    eu sou a luz que se apaga
    eu sou a beira do abismo
    eu sou o tudo e o nada

    Por que você me pergunta?
    Perguntas não vão lhe mostrar
    que eu sou feito da terra
    do fogo da água e do ar

    Você me tem todo o dia
    mas não sabe se é bom ou ruim
    Mas saiba que eu estou em você
    mas você não está em mim

    Das telhas eu sou o telhado
    a pesca do pescador
    a letra “A” tem meu nome
    dos sonhos eu sou o amor
    Eu sou a dona de casa
    nos “peg-pagues” do mundo
    Eu sou a mão do carrasco
    sou raso, largo, profundo

    Eu sou a mosca da sopa,
    e o dente do tubarão
    Eu sou os olhos do cego,
    e a cegueira da visão
    É mas eu sou o amargo da língua
    a mãe, o pai e o avô
    O filho que ainda não veio
    o início, o fim e o meio

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